Até a próxima semana, servidores, magistrados do STM e público externo poderão visitar a exposição “Composições da Corte”. Organizada pelo Museu da Justiça Militar da União, essa é uma das primeiras ações que fazem parte das comemorações dos 20 anos do espaço.

A exposição traz uma série de fotografias das composições da corte, assim como alguns objetos do acervo histórico do Museu. Quem passar por lá poderá ver a foto mais antiga do acervo, referente à década de 30. Também poderá, por exemplo, ouvir o discurso do então presidente da República José Sarney, na ocasião da comemoração dos 180 anos da Justiça Militar da União. O discurso também pode ser lido na ata impressa que está ao lado da foto do ex-presidente.

A exposição foi inaugurada durante o Encontro da JMU com a Corte e a Comissão Interamericana de Direitos Humanos, ocorrida na semana passada. Um dos palestrantes do evento, coronel Dimitrios Zafeiropoulos, se disse “impressionado” com a exposição. Segundo ele, é importante “criar nossa própria história e manter as tradições”, além de ressaltar que devido a esses valores resgatados por meio da história, essa exposição se torna de extrema importância.

O Museu

No dia 11 de dezembro de 1995 o museu do STM foi inaugurado. O presidente à época, ministro Alte. Esq. Leal Ferreira, convidou o ministro Cherubim Rosa Filho para o ato solene como forma de reconhecer o empenho de Rosa Filho na construção do espaço.

O museu, assim como o auditório do STM, foi construído em vãos livres existentes no prédio buscando solucionar o problema de espaço.

Hoje, o museu é um dos locais que recebem os estudantes universitários e delegações estrangeiras que visitam o STM. Lá é possível conhecer peças que possuem significado histórico para a Justiça Militar da União e obras de arte.

Compõem o acervo, por exemplo, porcelanas especiais das Forças Armadas que já foram usadas pela Presidência do STM e objetos do Império, como um lustre que pertenceu a D. Pedro II, com o desenho da coroa e a marca P2, inscrita e trabalhada na peça. Também há pinturas a óleo de D. João VI e seus filhos.

O ministro Rosa Filho, que acompanha as visitas ao museu e conta as histórias da Corte e da Primeira Instância, ressalta que todo o acervo é importante, mas cita a antiga mesa do Plenário como um destaque. Projetada em 1906, a mesa colocava o presidente do STM acima dos demais ministros e caiu em desuso por força de lei editada em 1993. Logo, outro mobiliário foi construído para substituí-lo na corte, e ele foi passado para o Museu.

A peça, que esteve em uso pela última vez na gestão do então presidente, ministro Rosa Filho, foi testemunha dos casos julgados no STM desde 1906.

O Superior Tribunal Militar (STM) condenou dois oficiais do Exército por desvio de dinheiro público, entre os anos de 2001 e 2006, originalmente destinado a suprir despesas da 1ª Divisão de Levantamento em Porto Alegre (RS). Um coronel reformado e um tenente-coronel da ativa foram condenados a três anos e seis anos de reclusão, respectivamente, pelo crime de peculato, previsto no artigo 303 do Código Penal Militar. O total desviado foi de quase R$ 500 mil reais, em valores não atualizados. 

Segundo a denúncia do Ministério Público Militar (MPM), em 10 de outubro de 2001, foi firmado um Protocolo de Intenções entre o Comando do Exército e a Fundação de Apoio da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (FAURGS), tendo como propósito o intercâmbio de serviços nas áreas de cartografia, fotogrametria, topografia e informática, além de outras áreas. 

As transferências de recursos entre as duas instituições deveriam ser precedidas pela celebração de convênios específicos. No entanto, a 1ª Divisão de Levantamento passou a executar, em favor da Fundação, despesas com inexigibilidade de licitação. Na denúncia, o Ministério Público afirma que “o repasse dos valores públicos à FAURGS serviu apenas para a montagem de um verdadeiro ‘caixa 2’, com o dinheiro retornando, em espécie, para uso dos militares da 1ª Divisão de Levantamento e para que fosse utilizado sem qualquer tipo de controle dos órgãos internos e externos da Administração Pública”.  

O total de valores repassado à Fundação chegou a R$ 494.099,40, em valores não atualizados. Os dois oficiais acusados chefiaram e exerceram o cargo de Ordenador de Despesas da 1ª Divisão de Levantamento durante o período em que utilizaram parte da verba pública para custear aulas de voo particulares, o abastecimento e a lavagem de veículos próprios e outros gastos com nítido caráter particular, como churrascarias, compras de supermercado e farmácia. 

Os militares foram absolvidos na primeira instância da Justiça Militar da União em Porto Alegre (RS) e o Ministério Público entrou com recurso no Superior Tribunal Militar (STM) para a condenação dos réus. A defesa dos réus argumentou que os recursos desviados foram aplicados em atividades da própria organização militar com o objetivo de melhorá-la com menos burocracia e que haveria respaldo legal para tanto. Desta forma, a defesa sustentou que os militares não agiram com o dolo próprio do tipo penal do peculato. 

Para o relator do caso no STM, ministro Luis Carlos Gomes Mattos, em observância ao “princípio da legalidade, previsto no artigo 37 da Constituição da República, não pode o Administrador fazer senão aquilo que a lei expressamente autoriza, sendo que, diante de seu silêncio, sequer pode agir mesmo que em face do mais elevado interesse público”. 

O Tribunal, por unanimidade, acompanhou o voto do relator para condenar o coronel reformado a três anos de reclusão e o tenente coronel, incurso por sete vezes no crime de peculato, a seis anos de reclusão. 

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Por José Barroso Filho, Ministro do STM* 

Criminalidade se enfrenta com política criminal definida e compartilhada pelos agentes públicos que atuam na área.

Sobretudo, necessário um correto e direto enfrentamento da questão, sem escapismos ou radicalismos.

Flexibilizar as sanções penais para ter um leque que possibilite uma resposta mais proporcional é um "bom caminhar".

Discriminalizar porque as "prisões" são "masmorras" é escapismo e leva à impunidade. Se comete crime deve ser sancionado. Não tolerar o crime não significa dizer que a única resposta seja a prisão.

Se por um lado, o Judiciário não pode precipitar suas decisões em decorrência do clamor popular, impaciência e indignação da vítima ou interesses eleitorais momentâneos, não é razoável deixar de dar a adequada e proporcional resposta às infrações cometidas.

Necessário maior estímulo à conciliação no ambiente criminal, o que permitiria a dedicação de esforços maiores aos processos em que a conciliação não fosse possível de modo a destravar a máquina judiciária.

Estes mecanismos avançam no mundo com diversas denominações, a saber: pattigiamento na Itália, plea bargaining, nos EUA, bagalellisation, na França; além da transação penal e suspensão condicional do processo, no Brasil.

Nesta seara surge a denominada “Audiência de Custódia” cujo objetivo é garantir que, em até 24 horas, o preso seja apresentado e entrevistado pelo Magistrado, em uma audiência em que serão ouvidas também as manifestações do Ministério Público, da Defensoria Pública ou do advogado do preso.

Durante a audiência, será analisada a prisão sob o aspecto da legalidade, da necessidade e adequação da continuidade da prisão ou da eventual concessão de liberdade, com ou sem a imposição de outras medidas cautelares, além de eventuais ocorrências de tortura ou de maus-tratos, entre outras irregularidades.

A implementação das audiências de custódia está prevista em pactos e tratados internacionais assinados pelo Brasil, como o Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos (art. 9º) e a Convenção Interamericana de Direitos Humanos (art. 7º), conhecida como Pacto de San Jose da Costa Rica e já é utilizada em muitos países da América Latina e na Europa, onde a estrutura responsável pelas audiências de custódia recebe o nome de “Juizados de Garantias”.

Tais normas internacionais estão incorporadas em nosso ordenamento jurídico desde o ano de 1992.

Vale destacar que a apresentação imediata daquele privado de sua liberdade a um Magistrado não é novidade em nosso ordenamento pátrio, basta observar o procedimento previsto no Estatuto da Criança e do Adolescente quando trata de ato infracional (art. 171 e seguintes da lei 8.069/90).

O adolescente apreendido é, de imediato ou em curto espaço de tempo apresentado ao Juizado da Infância e Juventude, onde será ouvido pelo Juiz, pelo representante do Ministério Público, com o apoio de um Defensor e as orientações de uma equipe multidisciplinar.

Desta audiência de apresentação, o adolescente já pode receber uma medida sócio-educativa e ser encaminhado ao cumprimento, ser encaminhado à internação provisória ou ser posto em liberdade se avaliada a desnecessidade de privação da liberdade enquanto responde ao processo.

Efetividade, uma solução encaminhada à luz do que exige os interesses sociais e individuais.

Puro encarceramento sem o devido encaminhamento é fermentar o problema que ocasiona violação de direitos, superlotação de unidades prisionais e alto índice de reincidência, sem nada contribuir para a devida responsabilização daquele que transgride a lei.

Valendo-me da minha vivência de mais de duas décadas como magistrado seja na seara Estadual, seja na Federal, dadas as distâncias e dificuldades logísticas em nosso pais-continente, a utilização da vídeo-conferência pode ser considerada, bem assim quando o conjunto instrutório enviado pela Autoridade Policial assim o permitir, uma avaliação do representante do Ministério Público e do Magistrado quanto a aplicação imediata da transação penal ou suspensão condicional do processo.

Necessário que dê as necessárias condições operacionais aos organismos policiais, ao Ministério Público e a Magistratura para cumprir mais esta necessária missão de preservar os direitos e garantias de um sistema penal que busca eficiência e legitimidade.

Inicie-se pelas capitais e centros com maior capacidade operacional e aperfeiçoando as práticas, seja a tempo e modo expandido por todas as unidades judiciárias.

Se não dermos certas respostas, estaremos fadados e repetir certas perguntas: Cadê o Amarildo? Por quem os sinos dobram?

* Artigo também publicado no Jornal O Estado de São Paulo 

 

 

 

Na tarde desta quinta-feira (12), o Superior Tribunal Militar (STM) foi sede da Reunião Preparatória para o III Foro Interamericano de Justiça Militar, a ser realizado em Santiago do Chile, em agosto deste ano. A reunião ocorreu como parte final da programação do Encontro da Justiça Militar da União com a Comissão e a Corte Interamericana de Direitos Humanos, realizado do dia 9 a 12 de fevereiro.

Compuseram a mesa do grupo de trabalho responsável pela realização do evento e as delegações do Chile, Peru, Grécia, Estados Unidos, Canadá e Alemanha. O Brasil foi representado pela presidente do STM, ministra Maria Elizabeth Rocha, juntamente com os ministros Artur Vidigal e William de Oliveira Barros, além de juízes-auditores da Justiça Militar da União. O presidente do Tribunal de Justiça Militar de São Paulo (TJMSP) também esteve presente e foi homenageado em razão dos 78 anos do Tribunal.

Entre os temas tratados na reunião destacam-se a criação de um Conselho Consultivo e de um Centro de Estudos para o Foro Interamericano. Também foi discutida uma proposta de regulamentação da Secretaria Técnica, o órgão executivo do Foro.

O atual secretário técnico do Foro, o contra-almirante Julio Enrique Pacheco Gaige, convidou todos os presentes a participarem com sugestões para os documentos. O dirigente também manifestou sua preocupação com mecanismos que garantam o engajamento oficial dos países que possuem representantes no Foro, além de soluções para garantir a maior participação dos demais estados membros.

A presidente do STM, ministra Maria Elizabeth Rocha, propôs que o Foro realize parceria com o Observatório da Justiça Militar, sediado na Universidade Javeriana de Bogotá, na Colômbia, representado na ocasião pelo professor Javier Rincón. Um das propostas é discutir a questão do gênero nas Forças Armadas e pesquisas envolvendo a Justiça Militar, sugestão que deverá ser apresentada no III Foro Interamericano de Justiça Militar.

Íntegra das palestras

Nas próximas semanas, a página do STM disponibilizará o link para a íntegra das palestras em vídeo, por meio do seu canal no Youtube.

 

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Para encerrar o Encontro da Justiça Militar da União com a Comissão e a Corte Interamericana de Direitos Humanos (CIDH), o ministro do Supremo Tribunal Federal Francisco Rezek traçou um panorama sobre a atuação da CIDH no contexto de importantes casos dos últimos anos, como a ordem de paralisação da obra da Usina de Belo Monte e da sentença do caso Mendes Lopes, que resultou na primeira condenação do Brasil pela Corte Interamericana.

Casos envolvendo a decisão do governo da Bolívia em declarar nacionais as refinarias da Petrobrás e a decisão da justiça brasileira de não atender ao pedido da Itália pela extradição de Cesare Battisti foram apontados como situações hipotéticas em que os Estados soberanos envolvidos poderiam acionar a Corte de Haia para decidir os processos. O ministro utilizou esses exemplos para ilustrar a especificidade da Corte de Haia que exerce jurisdição unicamente nos conflitos entre estados soberanos.

Em relação à Corte Interamericana de Direitos Humanos, Francisco Rezek destacou “a grande utilidade em dispor de um mecanismo de uma organização regional de controle dos direitos humanos quando se leva em conta certas situações em que as sociedades nacionais, e a própria comunidade jurídica, se acostumam com algo que é patológico, e não se dão conta dessa patologia a menos que um órgão internacional lhes dê um recado corretivo”.

No entanto, o ministro reflete a aparente “concorrência entre uma corte regional de direitos humanos e os tribunais e autoridades internas de direitos humanos”. Na visão de Rezek, isso acontece principalmente pelo cenário de sociedade internacional descentralizada da atualidade em que 193 estados soberanos não constituíram até hoje uma espécie de autoridade supranacional. “Os mecanismos internacionais são todos de coordenação e não de subordinação. Ainda por muitos anos isso irá perdurar, a constituição de cada estado soberano é a âncora que uma sociedade nacional pode contar para buscar a sua segurança jurídica”, avaliou o palestrante.

No sentido de aperfeiçoar a atuação da Comissão e da Corte Interamericana de Direitos Humanos, Francisco Rezek apontou pontos que merecem reflexão. A começar pela questão do tempo, o ministro declarou ser conveniente que a CIDH se concentre mais no presente e no futuro do que no passado. Segundo Rezek, o convênio assinado entre o Conselho Nacional de Justiça e o Sistema Interamericano nesta semana serve “para arejar as cabeças da justiça criminal à luz dos princípios modernos de processo penal e de preservação dos direitos humanos. Projeta a competência dessas instituições para o futuro. O sistema de proteção dos direitos humanos não se deve converter em uma inquisição dos direitos humanos violados no passado”.

Para Francisco Rezek, o sistema interamericano deve empreender esforços para não interferir nas opções políticas das várias nações soberanas que se submeteram ao Pacto San José de Costa Rica. Um dos exemplos que embasam o ponto de vista do ministro foi a determinação da CIDH para paralisar a construção da Usina Belo Monte. “A questão havia sido decidida por um governo, legislada pelo Congresso e submetida ao STF que declarou sua constitucionalidade. Obras desse porte obviamente têm efeitos colaterais. A prerrogativa de qualquer governo é sopesar a relação custo/benefício”.

O palestrante ainda enfatizou que lidar com direitos humanos não deve ser encarado pelos organismos internacionais e domésticos como uma tarefa simplista. A universalidade desses direitos representa um desafio constante. Exemplos como a proibição pelo estado da França ao uso do véu islâmico ilustram o problema. “Em que medida a ideia da universalidade dos direitos humanos nos permite interferir em ações que poderiam ser toleradas?”

Rezek destacou que o Supremo Tribunal Federal vai se deparar cada vez mais com essa ambiguidade dos direitos humanos, como nas situações em que terá que decidir sobre pesquisas com células-tronco embrionárias e a legalização do aborto. “Nesses casos, o Supremo irá prestigiar esse direito humano ou aquele e amargará o sacrifício daquele que não prevaleceu”, finalizou o ministro. 

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Na manhã desta quinta-feira (12), os palestrantes que encerraram o Encontro da Justiça Militar da União com a Comissão e a Corte Interamericana de Direitos Humanos destacaram que a troca de experiências internacionais e dos seus respectivos modelos de jurisdição militar é o grande legado e responsabilidade dos Estados soberanos na observância dos parâmetros internacionais de direitos humanos.

O contra-almirante e diretor do Centro de Estudos Superiores em Justiça Militar, Julio Enrique Pacheco Gaige, durante a palestra “A jurisdição militar no Peru e o cumprimento dos padrões internacionais da administração da justiça” afirmou que, nos últimos anos, o Peru vem empreendendo esforços constantes para sujeitar as normas internas de sua jurisdição militar aos padrões internacionais. O especialista expôs as consequências do conflito armado que perdurou no Peru entre os anos de 1980 e 2000 - e que tiveram como principais executores o grupo Sendero Luminoso, o Movimento Revolucionário Tupac Amaru e o governo do Peru -, na estrutura, competência e futuro da Justiça Militar naquele país. Pacheco explicou como a legislação foi alterada para que a Justiça Militar ficasse encarregada do julgamento dos envolvidos nas mais de 62 mil mortes que a luta deixou.

Em 2000, uma comissão foi criada pelo Estado peruano para revisar as decisões da Justiça Militar, que chegou à conclusão de que 98% das sentenças respeitaram o devido processo legal. O especialista destacou que, no entanto, grupos e organizações não-governamentais deram início a uma série de ataques à Justiça Militar e não ao governo e ao Poder Legislativo, que delegaram à instituição a incumbência de processar e julgar crimes de terrorismo.

O que se seguiu nos anos seguintes, conforme Pacheco, foram oito sentenças do Tribunal Constitucional do Peru contra a Justiça Militar, com as determinações de que ela não poderia mais julgar crimes de terrorismo nem de traição à pátria, que os crimes de sua competência teriam que ter uma conexão clara com a função militar e que os magistrados dessa Justiça não poderiam ser militares ou ter qualquer vínculo com as Forças Armadas.

Em 2009, o Tribunal Constitucional do Peru, fazendo uso da técnica de overruling, na qual um precedente perde sua força vinculante e é substituído por outro entendimento, emitiu uma sentença que estabeleceu os parâmetros atuais da jurisdição militar. Foi também nesse ano que o Tribunal começou a compatibilizar as normas internas com a jurisprudência da Corte Interamericana de Direitos Humanos.

“Finalmente, o Tribunal Constitucional entendeu que a Justiça Militar tem uma missão a cumprir e essa missão pode ser cumprida mantendo-se os padrões internacionais e internos de respeito aos direitos humanos”, afirmou Pacheco. Atualmente, os juízes da Justiça Militar peruana são oficiais generais já reformados, e por isso considerados civis, sem ligação direta ao comando das Forças. A competência se centra no julgamento dos delitos de função, que abarca toda conduta ilícita cometida por militar da ativa no exercício de suas funções e que ferem os bens jurídicos próprios da ordem militar.

Caso Argentino

Na palestra seguinte, o professor da Universidade de Buenos Aires Diego Dolabjian expôs o caso da Justiça Militar na Argentina. Segundo ele, o sistema de Justiça Militar deixou de existir como modelo independente. A matéria de direito militar e os julgamentos foram incorporados pelo Código Penal comum e são da competência de juízes federais comuns. Dolabjian apontou que essa situação decorreu da articulação entre o cenário nacional e o internacional.

O especialista identificou que essa articulação foi tecida, principalmente, como efeito da última ditadura militar argentina, quando uma das primeiras normas editadas no período foi a de ampliar a competência da Justiça Militar para julgar os civis em crimes de subversão. Em 1979, diversas denúncias referentes aos atos praticados durante a ditadura motivaram a Corte Interamericana de Direitos Humanos a visitar a Argentina e um relatório subsequente apontou várias violações graves aos direitos humanos, cometidas por ação ou omissão no período de 1975 a 1979.

De acordo com Dolabjian, uma das primeiras medidas de Raúl Ricardo Alfonsín, o presidente democraticamente eleito em 1984, após a ditadura, foi a ordem de se processar e julgar os militares envolvidos nas agressões aos direitos humanos. A lei editada para esse fim estabeleceu um procedimento próprio para julgar as juntas militares, que deveria ser conduzido pela Justiça Militar. A lei ainda definiu que caso fosse observada uma demora injustificada para a conclusão dos julgamentos, a Justiça comum deveria assumir a competência.

O Conselho Supremo das Forças Armadas, órgão responsável pelo julgamento, concluiu que as ordens ditadas durante o período eram legítimas e que os envolvidos não poderiam ser responsabilizados penalmente por elas. A Câmara Federal assumiu os processos e condenou as juntas em 1985. De acordo com Dolabjian, o fato de a Corte Interamericana ter apontado em 1979 as várias violações aos direitos humanos e a Justiça Militar ter julgado em sentido contrário intensificou o debate quanto à objetividade e a neutralidade dessa justiça especializada. O resultado foi que, em 1985, a Corte Suprema argentina declarou a inconstitucionalidade da Justiça Militar.

Nesse mesmo ano, a Corte argentina determinou também que os direitos constitucionais e o sistema jurídico deveriam ser interpretados de acordo com os organismos internacionais, o que na visão do especialista representou a vanguarda do controle de convencionalidade.

Desafios comuns

A manhã de hoje também contou com a palestra de Miguel Revenga Sánchez, que destacou a importância dos debates realizados durante o Encontro. “O mais surpreendente é que nós partilhamos desafios comuns. Um dos grandes tópicos do constitucionalismo atual é o diálogo, a abertura e a interconexão. Esses três princípios só são levados a efeitos quando se compartilham valores e ideias e quando se avança em termos de técnicas para se assegurar a liberdade dos Estados e dos direitos fundamentais inerentes”.

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Na tarde do terceiro dia (11/02) do Encontro da Justiça Militar da União com a Comissão e a Corte Interamericana de Direitos Humanos, quatro palestrantes estrangeiros debateram sobre o Estado Constitucional na América do Sul, a sentença da Corte Interamericana no caso La Cantuta no Peru, o direito militar alemão e o futuro da jurisdição militar em todo o mundo.

O juiz da Corte Suprema de Justiça da Argentina, Raúl Gustavo Ferreyra, falou sobre o estado constitucional na América do Sul por meio de paralelos com os artigos da Constituição Federal do Brasil. A advogada e assessora da Comissão de Relações Exteriores do Congresso da República do Peru, Gissell Rubin Morales, apresentou um estudo do caso La Cantuta e da sentença que determinou, em 2006, a responsabilidade do estado peruano pelo desaparecimento forçado e a execução de um professor universitário e de nove estudantes da universidade La Cantuta por membros das Forças Armadas que consideraram as vítimas como opositores ao governo da época.

A palestrante apontou que as duas Leis da Anistia editadas no país impediram a condução de investigações e a responsabilização penal dos militares envolvidos no caso. A sentença da Corte Interamericana assinalou que tais leis são incompatíveis com a Convenção Americana dos Direitos Humanos e, por isso, carecem de efeito jurídico.

Em seguida, o professor de Direito Militar da Universidade de Speyer na Alemanha, Alexander Poretschkin, falou sobre os direitos humanos na Europa em relação à Justiça Militar. O especialista deu destaque à relação entre questões militares disciplinares e os direitos humanos. Poretschkin ilustrou a relação com o exemplo de um subordinado que é obrigado a obedecer imediatamente às ordens de seu superior, sem questioná-las, ainda que a ordem possa ser ilegal. O palestrante debateu se haveria nesse dilema entre o compromisso militar e a responsabilidade de agir conforme a lei uma ofensa aos direitos humanos.

Na última palestra do dia, o promotor da corte de apelação de Atenas, na Grécia, Dimitrios Zafeiropoulos, falou sobre as tendências atuais da jurisdição militar internacional. Segundo ele, as legislações especiais ao redor do mundo são muito diversas em termos de jurisdição militar em razão dos diversos parâmetros políticos, culturais, históricos, e dos interesses em segurança e a situação legislativa de cada país.

No entanto, para o promotor, apesar de haver países em que a Justiça Militar foi abolida e outros em que a estrutura foi modificada, é possível definir um denominador comum: as Forças Armadas mantêm um papel de destaque nas diversas sociedades, o que faz com que os países implementem medidas especiais para garantir que os militares tenham garantido o acesso à Justiça. “Nas nações que aboliram a Justiça Militar, foram estabelecidos mecanismos específicos para garantir que o sistema judicial civil funcione adequadamente para os militares. Um deles é manter os promotores civis em constante contato com o ambiente militar”, finalizou Zafeiropoulos. 

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Na última palestra da manhã desta quarta-feira (11), o ministro do Ministério das Relações Exteriores Breno Dias da Costa falou sobre a evolução do sistema interamericano de direitos humanos e o recente processo de reforma por que passou.

O palestrante apresentou um histórico da evolução dos direitos humanos e relembrou que após a Segunda Guerra Mundial o tema passou a ter maior relevância. O ministro citou a Declaração Universal dos Direitos do Homem (1948), mas lembrou que meses antes dois instrumentos de caráter regional tinham sido aprovados: a Carta da Organização dos Estados Americanos (OEA) e a Declaração Americana dos Direitos e Deveres do Homem.

Costa lembrou que nas duas décadas seguintes os debates levaram à concepção de um sistema interamericano de direitos humanos. Em 1959, foi criada a Comissão Interamericana de Direitos Humanos e em 1969 foi adotada a Convenção Americana sobre Direitos Humanos – também conhecida como Pacto de São José da Costa Rica –, que estruturou o sistema interamericano e previu a criação de uma Corte Interamericana de Direitos Humanos.

Reformas na Comissão IDH

O ministro relatou que a partir de 2011 passou-se a uma reflexão sobre como atualizar a Comissão IDH para o novo contexto sociopolítico mundial e americano.

Segundo o expositor, o Brasil esteve diretamente envolvido no processo, pois a construção da represa de Belo Monte foi o fator motivador imediato para o início dessa discussão. Porém, ele afirmou que o debate já vinha ocorrendo de forma difusa em outras ocasiões.

Em julho de 2011, a OEA criou um grupo de trabalho de reflexão em busca de reformas. Em 2013, foram feitas dezenas de recomendações à CIDH, que inicialmente foram mal recebidas sob o argumento de que elas debilitariam o sistema por ferirem a autonomia da organização.

O Brasil atuou nas discussões, em especial, pedindo a necessidade de que todas as decisões da CIDH fossem bem fundamentadas, independentemente das convicções de quem estava à frente da organização. Outros entendimentos foram alcançados: a necessidade de criar estímulos e medidas para a não repetição dos problemas detectados na área de direitos humanos e a adoção de novos critérios para a expedição de medidas cautelares.

Apesar das resistências iniciais à mudança, o ministro avaliou que esse processo de reflexão trouxe à Comissão e à Corte mais força. Segundo ele, o diálogo aberto acabou por fazer a organização e seus comissários entenderem que muitas sugestões facilitariam as rotinas de trabalho e atribuíram maior credibilidade e transparência ao trabalho.

 

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A segunda palestra desta quarta-feira (11) foi do advogado e e professor da Universidade Católica de Assunção, Emílio Camacho. Ele palestrou sobre "a defesa da Constituição, integração democrática e tempo de crise. Uma questão regional". 

Camacho iniciou sua exposição falando sobre o cenário de crise política na América Latina, citando os exemplos recentes de instabilidade no Paraguai, Bolívia, Equador e Argentina. “Os sistemas políticos [na América Latina] parecem não proteger as autoridades políticas escolhidas pela vontade popular”, afirmou.

 

“A defesa da Constituição é uma história antiga, que foi debatida doutrinariamente na Alemanha entre 1918 e 1930”, conta. Citou o jurista Karl Smith, para quem “a Constituição não representa nada além da vontade soberana de um povo”. Porém, o teórico alemão também dizia que cabia ao soberano impor a ordem jurídica. “Isso levou à legitimação do governo de Hitler”, recordou, enfatizando que ele governou sem derrogar a Constituição.

 

O palestrante também fez uma reflexão sobre os limites da atuação do Judiciário, quando lembrou dois casos reais: um golpe militar que não pode ser impedido e uma tentativa de impeachment que não garantiu a ampla defesa ao presidente. “O que acontece quando a justiça não responde?”, questionou.

 

“Trata-se do velho debate entre poder e direito”, comentou o professor da Universidad Católica de Asunción. Segundo ele, esse é um tema geralmente evitado pelos profissionais da área. E defendeu: se a vontade política é imposta ao direito, isso não pode ser considerado direito, mas arbitrariedade.

 

“O princípio da justiça e dos valores constitucionais inerentes à atuação de cada autoridade devem estar sempre presentes, ainda que a justiça não responda”, declarou. Para exemplificar como os valores transcendem a atuação institucional, o professor afirmou existir o “direito à rebelião”. Isso ocorre quando o Judiciário ou qualquer autoridade deixa de lado os direitos fundamentais do cidadão ou acumula um poder institucional. Nesse momento, o povo fica isento de obedecer à Constituição.  

 

“Eu não acredito em estabilidade quando as pessoas obedecem à lei”, desafiou. “Normalmente, as forças poderosas manipulam e instrumentalizam a lei.” Segundo Camacho, apenas quando a autoridade respeita a lei, ela pode pedir obediência ao povo. Ele recorreu ao teórico Hans Kelsen com a ideia do trabalho colaborativo entre governo e povo para que a lei possa ser aplicada. O palestrante defendeu ainda que quem tem a custódia da Constituição não são as cortes supremas mas, em última instância, a soberania popular.

 

“Para construir uma ordem jurídica, a base deve ser a justiça”, declarou. Segundo ele, muitas vezes as crises na América Latina acontecem não tanto por questões sociais, mas porque o sistema jurídico é muito rígido. “Na América Latina, o presidente ou o Executivo faz o que quer e só pode ser freado pelo impeachment, não há mecanismos intermediários”, afirmou, comparando às alternativas oferecidas pelo parlamentarismo.

 

Justiça Militar independente

 

Ao falar sobre Justiça Militar, o professor afirmau que o caso do Brasil é diferenciado, pois está dentro da estrutura do Poder Judiciário e é uma estrutura independente. Segundo ele, no Paraguai e em outros países do Cone Sul, isso não ocorre. O conceito de “justiça militarizada” é o mais apropriado pois as decisões dependem do comandante das Forças Armadas. São tribunais administrativos e disciplinares mas não têm a autonomia do Poder Judiciário.

 

A solução apresentada pelo palestrante é incorporar a justiça militar do Paraguai, por exemplo, ao Poder Judiciário: direito de defesa, dupla jurisdição e a garantia de um juiz independente. Na opinião de Camacho, como o Congresso paraguaio tem ampliado a competência das Forças Armadas no país, o modelo vigente tem um impacto ainda mais negativo.

 

Ao falar das críticas dirigidas à justiça militar, o professor Javier Rincón defendeu em sua palestra a necessidade de sua existência como justiça especializada, pelo caráter específico do seu jurisdicionado. Afirmou ainda que a finalidade dessa justiça é a garantia de direitos, o que vai além da função de manter a disciplina e a hierarquia nos quartéis, papel exercido pela esfera administrativa.

 

Ao falar sobre a estrutura da justiça militar colombiana, explicou que a corte está atrelada ao Poder Executivo e os generais são julgados pela justiça comum. Defendeu também a ideia de uma justiça militar mista, que conte com juízes civis.  

 

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O terceiro dia do Encontro da JMU com a Comissão e a Corte Interamericana de Direitos Humanos começou com uma análise da jurisprudência do Supremo Tribunal Federal (STF) sobre os tratados e convenções de direitos humanos.

A painelista foi a professora Samantha Ribeiro Meyer-Pflug, que falou da existência de duas correntes: uma que considera que os tratados e convenções de direitos humanos têm status de norma constitucional e uma outra que diz serem equivalentes a leis ordinárias. A posição do STF, segundo a estudiosa, foi “bastante conservadora” nesse aspecto por considerar a matéria como lei ordinária. “[Os ministros do STF] usaram como fundamento o artigo 102, inciso III, da Constituição, que estabelece que cabe recurso extraordinário quando o tratado internacional violar o teor da Constituição”, explicou, considerando que essa não pareceu o melhor resultado para a proteção dos direitos humanos.

 

“Por que o constituinte de 88 não deixou expressamente previsto que os tratados e convenções tivessem status de norma constitucional?”, perguntou. A resposta veio depois de uma pesquisa sobre o tema, que revelou que na época era consenso a defesa dos direitos individuais, mas o mesmo não se aplicava aos direitos humanos por se tratarem de direitos sociais, que são onerosos ao Estado.

 

Em 2004, com a aprovação da Emenda 45/2004, foram acrescidos ao artigo 5º os parágrafos 3º e 4º à Constituição Federal. A adesão do Brasil ao Tribunal Penal Internacional (TPI) foi um dos resultados. Segundo a especialista, isso trouxe problemas, por exemplo, na hipótese de um brasileiro cometer crime punível pelo TPI e precisar ser extraditado, pelo fato de o texto da CF-88 veda extradição de brasileiros natos, o que impediria a ação do TPI.

 

Outra inovação trazida pela Emenda 45 é considerar que os tratados são “equivalentes” às Emendas Constitucionais, portanto, com status superior às demais normas. Porém, os tratados mais relevantes são anteriores à promulgação da Emenda, em 2004, e o texto constitucional é omisso quanto a esses casos específicos.

 

A especialista apontou que o STF já se pronunciou sobre os tratados anteriores à Emenda 45, dando a eles um caráter supralegal, solução utilizada em outros países. A matéria ocuparia um lugar entre a Constituição e as leis ordinárias. No entanto, a Corte assumiu posição contrária ao que havia tomado anteriormente ao analisar a ação direta de inconstitucionalidade contra a lei de biossegurança: permitiu as experiências com células-tronco, favorecendo uma lei ordinária em detrimento do que preconiza o Pacto de São José da Costa Rica.

 

Outro conflito apontado por Samantha Ribeiro é o fato de a Constituição prever dois casos de prisão civil: por não pagamento de pensão alimentícia e para o depositário infiel. Porém o Pacto de São José da Costa Rica veda a prisão do depositário infiel.

 

Quanto aos direitos sociais, a professora afirmou que o STF tem uma postura também oscilante. Como esses direitos não têm aplicação imediata, a Suprema Corte tem preferido uma posição mais conservadora do economicamente possível. Sobre esse aspecto, a palestrante reconheceu que é mais “fácil” para um juiz defender o direito à saúde pois as demandas que chegam a ele têm “rosto e nome”. 

 

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