Miguel Kfouri Neto também comentou a nova lei sobre julgamento colegiados em primeiro grau de crimes praticados por organizações criminosas

Independência e segurança do magistrado foram os temas da palestra do desembargador Miguel Kfouri Neto, presidente do Tribunal de Justiça do Paraná, no IX Encontro de Magistrados da Justiça Militar da União. “Independência não se reduz a julgar contra os poderosos e a opinião em geral.

É uma competência que se outorga aos juízes. E uma garantia inafastável. É a soma dos nossos predicamentos: a inamovibilidade, inafastabilidade, vitaliciedade. É imprescindível ao juiz”, disse o magistrado na abertura da palestra.

De acordo com Kfouri Neto, o estatuto universal do juiz, nos seus dois primeiros artigos, trata da independência do magistrado em relação aos demais poderes de Estado e em relação à própria cúpula do Poder Judiciário. “Enquanto não tivermos recursos próprios e enquanto dependermos do Executivo, a nossa independência será prejudicada. Nosso tribunal no Paraná já sofreu de crônica falta de recursos. E lá se vai o presidente do Tribunal com o pires na mão pedir que o governador repasse os recursos”, expôs o desembargador.

Kfouri Neto também abordou a independência na atividade estritamente judicante. Para ele, o magistrado não pode receber ordens de ninguém, deve ser autônomo. Outro predicado que os juízes devem cultivar com vistas a manter a independência é a serenidade – para o desembargador, um juiz não pode ser inquisidor. Não pode levar idéias pré-concebidas e valores internalizados para sentença, nem pode levar ódio nem ressentimento para seu pronunciamento.

Também deve resistir a pressões de ordem interna, que derivam do próprio caráter e temperamento. Por outro lado, não pode ser tão leniente que acabe compactuando com questões que merecem mais rigor. “O juiz não deve permitir que essas injunções, internas ou externas, influenciem a sua decisão, a sua maneira de julgar, a sua imparcialidade. Deve ser independente diante de si próprio”, analisou o magistrado.

Segurança Na segunda parte de sua palestra, o desembargador Kfouri Neto teceu considerações a respeito da segurança dos magistrados. Ele citou três assassinatos de juízes na última década – dois em 2003 e outro em 2011 - todos ligados ao crime organizado. Nos três casos, não havia escolta policial. Kfouri Neto citou a Lei 12.694/2012, que instituiu o julgamento colegiado em primeiro grau de crimes praticados por organizações criminosas.

A lei estabelece que, caso um juiz se sinta ameaçado, ele poder propor um julgamento colegiado e o tribunal deve regulamentar esse procedimento, além de propor outras medidas visando à segurança dos magistrados. “É evidente que esse medo, temor, afeta a nossa atividade judicante. O juiz não pode julgar com esse medo sistêmico. E esse medo está intrinsecamente ligado à sua segurança e de sua família”, disse o desembargador.

E concluiu: “Os juízes são os maiores garantidores do estado democrático de direito. Um atentado contra um juiz é um atentado contra toda a magistratura”.

 

 

Assessor de Gestão Estratégico fala sobre o futuro da JMU

Planejamento estratégico foi o tema que encerrou o terceiro dia do IX Encontro de Magistrados da Justiça Militar da União. Para um público formado por ministros, juízes, assessores do STM e das Forças Armadas, o assessor de gestão estratégica, José Aloysio Pinto, falou sobre a razão de ser do planejamento para uma instituição. “O planejamento visa evitar a armadilha do imediatismo na administração“, afirmou, lembrando que o objetivo é superar a conhecida cultura de apagar incêndios.

Segundo o assessor, o planejamento diminui os riscos de tomada de decisões equivocadas, iniciativas ineficazes e desperdício de recursos materiais, financeiros e humanos. Essa mudança de postura foi comparada a deixar a situação do “esperar as coisas acontecerem” e passar a “fazer as coisas acontecerem”.

Entre os desafios apontados, destaca-se a percepção dos pontos fortes e fracos da instituição, tarefa já realizada durante a primeira consulta feita aos servidores da JMU durante os meses de maio e junho deste ano. A etapa atual corresponde à realização de uma segunda consulta interna sobre as soluções aos problemas apresentados inicialmente e à pesquisa Delphi, aberta a especialistas e a todos os cidadãos interessados. Ambas podem ser realizadas até o dia 3 de setembro pelo link instalado no portal do STM ou pelo endereço www.planejamentoestrategico.stm.jus.br

A Pesquisa Delphi é composta por onze cenários futuros que tratam de sete grandes temas: legislação, Forças Armadas, ciência e tecnologia, economia, política internacional, política nacional e sociedade. O cidadão poderá, a partir dessa lista, indicar qual é a probabilidade de cada acontecimento ocorrer até 2018, data em que a JMU completa 210 anos de existência.

Primeiros resultados

O consultor Joe Weider, da empresa Brainstorming, falou sobre o diagnóstico realizado pelos integrantes da Justiça Militar da União no primeiro semestre deste ano. Segundo o palestrante, os resultados foram extremamente esclarecedores, ao apontarem os pontos fortes e fracos da instituição. “Foram 3.670 itens avaliados, dados que estão neste momento à disposição da JMU para que os problemas sejam resolvidos e as oportunidade sejam melhor aproveitadas”, afirmou.

O expositor explicou a importância da construção dos cenários prospectivos, o que é um primeiro passo para que uma instituição avance numa análise pró-ativa da realidade e abandone posturas reativas.

Na ocasião, o consultor explicou os mecanismos da Pesquisa Delphi e relatou que cerca de mil peritos foram consultados sobre onze cenários futuros que podem afetar a JMU. Porém a pesquisa é aberta a qualquer integrante da JMU ou cidadão, que só precisam realizar um cadastro entrando no link da pesquisa, localizado no portal do STM.
“O especialista vai responder, de acordo com o seu nível de conhecimento, qual a probabilidade de ocorrer determinado item”, explicou, lembrando que a avaliação dos dados será feita de forma científica a fim de se chegar a um mapa de cenários e no cenário mais provável para um futuro próximo.

O especialista também esclareceu que o nível de eficácia do processo será mensurado por meio de índices. “O método procura dar à JMU todas as condições para que a instituição se torne um órgão de excelência”, afirmou o palestrante. Ele falou também sobre o desafio de a instituição pôr em prática os resultados do trabalho e poder “entregar valor” à sociedade e cumprir a sua missão constitucional.

 

Especialistas discutem a estrutura e a atuação da Justiça Militar

Um amplo debate sobre os rumos da Justiça Militar da União foi realizado no início da tarde desta quinta-feira (23). Um painel reuniu representantes de três instituições para discutir competência e distribuição territorial da JMU: um juiz-auditor, um membro do Ministério Público Militar (MPM) e uma defensora pública da União.

O juiz-auditor de Recife, Arizona D´Ávila, abriu a tarde de debates. Ele fez um balanço de prós e contras a respeito da ampliação da competência da JMU e disse que a análise pode estar dentro da estratégia de modernização da JMU. Segundo o juiz, existem argumentos válidos para ambas as posições, sendo necessário unificar o discurso e somar esforços em direção a uma das posições.

Com relação à distribuição territorial da primeira instância, o juiz propôs três possibilidades: a criação de novas auditorias, a realocação ou a alteração das atuais. Entre as sugestões apresentadas destaca-se a criação de uma 2ª Auditoria em Manaus, devido à sua extensão territorial, que é equivalente a uma França, Itália e Polônia juntas. Outras propostas foram: a criação de Auditorias em Natal, Florianópolis e Vitória; a recriação de uma 3ª Auditoria em São Paulo e a agregação dos estados do Maranhão e do Rio Grande do Norte à Auditoria de Fortaleza.

Os resultados esperados com as mudanças seriam o aumento da capilaridade, o nivelamento do trabalho das diferentes Circunscrições Judiciárias Militares (CJM) e, por consequência, o aumento da celeridade processual e a melhoria da qualidade dos julgamentos.

Dogmática Penal Militar

O segundo painelista foi subprocurador-geral de Justiça Militar da União, Edmar Jorge de Almeida, que iniciou sua fala afirmando estarmos mergulhados num cenário em que todos os conceitos da dogmática penal estão sendo questionados.

O subprocurador falou também sobre as peculiaridades do direito penal militar, muitas vezes mal compreendidas. Segundo o especialista, se no âmbito penal comum a liberdade é um bem supremo, a responsabilidade é o princípio que norteia o direito penal militar. Dessa forma, a dogmática penal militar se distingue da comum por ter o foco na segurança externa, na autoridade, na disciplina e no dever militar. Para entender a essência do direito penal militar, lembrou o palestrante, é necessário entender em primeiro lugar qual é a missão das Forças Armadas.

A exposição da defensora pública Tatiana Siqueira Lemos foi feita com base na PEC 358, conhecida como segunda reforma do judiciário. Falou inicialmente sobre a Emenda 45, citando entre seus resultados a maior eficácia na atuação das Defensorias Públicas Estaduais em comparação com as Defensorias Públicas Federais. Segundo a defensora, já foram encaminhados outros projetos de lei para corrigir as discrepâncias entre a atuação das defensorias do estado com relação às da união. Por fim decidiu falar sobre o que chamou de falhas da DPU: precisamos ter defensores públicos especializados em direito militar e um corpo de assessores maior.

Outras questões trazidas à discussão pela defensora foram a competência da Justiça Militar no julgamento de civis e o conceito de crime militar como ofensa às instituições militares. Segundo Tatiana Lemos, é nesse sentido que o STF vem embasando suas decisões.

Antes de iniciar a palestra, a defensora pública concedeu entrevista à Rádio Justiça em que também falou sobre a atuação da Defensoria Pública da União na Justiça Militar, suas peculiaridades e história. Ouça aqui.

 

Para o juiz Marcelo Honorato, os relatórios do Sipaer não devem ser utilizados como provas em processos judiciais.

A investigação de acidentes aeronáuticos e sua relação com o Poder Judiciário foi um dos temas discutidos no último dia do IX Encontro de Magistrados da Justiça Militar da União, que acontece em Fortaleza. A palestra foi proferida pelo juiz federal substituto do TRF da 5ª Região Marcelo Honorato.

O magistrado apresentou o Sistema de Investigação e Prevenção de Acidentes Aéreos (Sipaer) e seus princípios jurídicos. Além disso, ele expôs as incompatibilidades do emprego como meio de prova da investigação Sipaer nos processos judiciais. O Sipaer é um microssistema jurídico, com competências, regras e normas próprias, tal como o Código de Defesa do Consumidor, por exemplo. Tem a finalidade de planejar, orientar, coordenar, controlar e executar as atividades de investigação e prevenção de acidentes aeronáuticos no Brasil.

Entre seus princípios jurídicos, o mais importante dele é a preservação da vida humana. Além disso, ele dá prioridade de acesso aos destroços à autoridade aeronáutica. Outro princípio é o da neutralidade jurisdicional e administrativa, com vistas a garantir a independência e a liberdade à investigação e ao processo investigativo. “O único objetivo da investigação é evitar novos acidentes e não imputar culpados, como preconiza a Convenção de Chicago”, disse o magistrado.

Honorato ressaltou que todo procedimento judicial ou administrativo para determinar a culpa ou responsabilidade deve ser feito paralelamente, já que o objetivo do Sipaer ao final da investigação dos acidentes é produzir recomendações para evitar novos acidentes. Ele ressaltou que a investigação conduzida pelo órgão não tem litígio, nem acusado.

O magistrado também abordou os princípios da proteção e sigilo da fonte, da confiança, e da participação voluntária. Tais princípios visam a proteger as pessoas que deram informações durante as investigações que, em muitos casos, se tornam determinantes para a produção de recomendações que podem evitar novos acidentes e perda de vidas. O grande problema apontado pelo magistrado é que o relatório produzido com essas entrevistas é, em muitos casos, utilizado como meio de prova, causando uma quebra de confiança.

Pessoas que cooperaram na investigação do acidente para a produção das recomendações acabam se tornando denunciados nos processos judiciais. Tal fato acaba por inibir a participação voluntária de pessoas que teriam conhecimentos importantes no processo, pois a finalidade da entrevista – que é a prevenção de novos acidentes - é desviada.

O especialista insistiu que os órgãos de investigação criminal e o Poder Judiciário devem ter em mente a distinção entre os dados fáticos e as análises constantes nos relatórios Sipaer. Os dados fáticos – tais como degravações, laudos de engenharia, comunicações, transcrições – devem ser mantidos em sigilo e ser enviados aos Poder Judiciário. Já as análises, que resultam em recomendações, são incompatíveis com o processo judiciário, porque são, em muitos casos, de hipóteses levantadas.

Ele citou alguns julgados em que hipóteses levantadas pelo Sipaer foram consideradas como provas. “Vemos muitas vezes o uso de informações imprestáveis na responsabilização criminal ou civil na esfera judicial. E na esfera da segurança do vôo, ocorre a perda da confiança dos operadores, diminuição do fluxo de informações, ocasionando a perda da eficácia preventiva”, apontou o juiz. Dessa forma, para o magistrado, o Judiciário tem um papel relevante na segurança do vôo quando garante a proteção das informações Sipaer e a neutralidade jurídica. “À medida que o Poder Judiciário assegure a neutralidade jurídica ao Sipaer, maior será a eficácia da segurança de vôo provida aos cidadãos brasileiros”, concluiu.

Nesta entrevista concedida logo após a sua palestra, o magistrado detalha a relação entre acidentes aéreos e a Justiça Militar: