Na tarde desta terça-feira (10), a situação das pessoas privadas de liberdade foi o assunto de destaque na palestra de James Louis Cavallaro. Como membro da Comissão Interamericana de Direitos Humanos, Cavallaro atua na Relatoria dos Direitos Humanos das Pessoas Privadas de Liberdade (RPPL).

A Relatoria acompanha a situação das pessoas presas nas Américas, produz estudos e busca possíveis soluções aos problemas encontrados, propondo às autoridades as melhores práticas. O professor desenhou um cenário de crise em toda a América, com a tendência ao aumento da população carcerária, problemas de superlotação, violência e corrupção do sistema.

Cavallaro pôs em questão o modelo carcerário americano, conhecido como SuperMax (presídios de segurança máxima). Segundo ele, que é cidadão americano, esse paradigma tende a ser aceito sem questionamento pelos demais estados americanos. No entanto, ele criticou o excesso de vigilância sobre as pessoas e a rotina de encarceramento de 23 horas por dia, o que resulta em gastos muito elevados.

No outro extremo, o professor falou sobre presídios países da América Latina onde o próprio estado é impedido de entrar. Nesses lugares prevalece o caos ou o autogoverno. A alternativa apresentada por Cavallaro é um modelo que chamou de co-governo, situação em que há uma parceria entre os detentos e o estado na gestão do espaço.

O caso do presídio de Lurigancho, no Peru, ilustrou esse modelo alternativo. Com capacidade para três mil pessoas, o lugar recebe hoje nove mil e é considerado pelo especialista um exemplo de inovação. “Primeiramente, houve um consenso entre os próprios internos de que os níveis de violência interna tinham chegado ao limite”, conta. A solução encontrada pelas autoridades locais foi devolver aos presos um relativo grau de autonomia e de controle sobre a organização do espaço.

A gestão do local é feita de forma compartilhada entre as autoridades e os detentos indicados como “delegados”. O sucesso dessa ideia, segundo o expositor, se deve a um processo de diálogo e de devolução para os detentos de certa “autoridade” dentro dos pavilhões.

A ideia, segundo ele, é radical porém simples: quando se está em situação de encarceramento, há as restrições necessárias por motivo de segurança. Porém, somente uma minoria precisaria passar por situações rigorosas de encarceramento. “Até a pessoa privada de liberdade mostrar a sua incapacidade de viver com os outros e se controlar minimamente, é preciso tratar aquela pessoa como ser humano, como gente”, concluiu.

Palestrantes da tarde

Os mecanismos para proteção das pessoas envolvidas na defesa dos direitos humanos foi tema da primeira palestra da tarde, conduzida pelo advogado José Orozco Henríquez, do México. O segundo palestrante foi o professor da Universidad Nacional de Trujillo (Peru), Gerardo Eto Cruz.  Ele falou sobre a possibilidade de questionamento das decisões de tribunais militares por meio dos instrumentos jurídicos apropriados, controle de constitucionalidade e controle de convencionalidade. 

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O terceiro dia do Encontro da JMU com a Comissão e a Corte Interamericana de Direitos Humanos começou com uma análise da jurisprudência do Supremo Tribunal Federal (STF) sobre os tratados e convenções de direitos humanos.

A painelista foi a professora Samantha Ribeiro Meyer-Pflug, que falou da existência de duas correntes: uma que considera que os tratados e convenções de direitos humanos têm status de norma constitucional e uma outra que diz serem equivalentes a leis ordinárias. A posição do STF, segundo a estudiosa, foi “bastante conservadora” nesse aspecto por considerar a matéria como lei ordinária. “[Os ministros do STF] usaram como fundamento o artigo 102, inciso III, da Constituição, que estabelece que cabe recurso extraordinário quando o tratado internacional violar o teor da Constituição”, explicou, considerando que essa não pareceu o melhor resultado para a proteção dos direitos humanos.

 

“Por que o constituinte de 88 não deixou expressamente previsto que os tratados e convenções tivessem status de norma constitucional?”, perguntou. A resposta veio depois de uma pesquisa sobre o tema, que revelou que na época era consenso a defesa dos direitos individuais, mas o mesmo não se aplicava aos direitos humanos por se tratarem de direitos sociais, que são onerosos ao Estado.

 

Em 2004, com a aprovação da Emenda 45/2004, foram acrescidos ao artigo 5º os parágrafos 3º e 4º à Constituição Federal. A adesão do Brasil ao Tribunal Penal Internacional (TPI) foi um dos resultados. Segundo a especialista, isso trouxe problemas, por exemplo, na hipótese de um brasileiro cometer crime punível pelo TPI e precisar ser extraditado, pelo fato de o texto da CF-88 veda extradição de brasileiros natos, o que impediria a ação do TPI.

 

Outra inovação trazida pela Emenda 45 é considerar que os tratados são “equivalentes” às Emendas Constitucionais, portanto, com status superior às demais normas. Porém, os tratados mais relevantes são anteriores à promulgação da Emenda, em 2004, e o texto constitucional é omisso quanto a esses casos específicos.

 

A especialista apontou que o STF já se pronunciou sobre os tratados anteriores à Emenda 45, dando a eles um caráter supralegal, solução utilizada em outros países. A matéria ocuparia um lugar entre a Constituição e as leis ordinárias. No entanto, a Corte assumiu posição contrária ao que havia tomado anteriormente ao analisar a ação direta de inconstitucionalidade contra a lei de biossegurança: permitiu as experiências com células-tronco, favorecendo uma lei ordinária em detrimento do que preconiza o Pacto de São José da Costa Rica.

 

Outro conflito apontado por Samantha Ribeiro é o fato de a Constituição prever dois casos de prisão civil: por não pagamento de pensão alimentícia e para o depositário infiel. Porém o Pacto de São José da Costa Rica veda a prisão do depositário infiel.

 

Quanto aos direitos sociais, a professora afirmou que o STF tem uma postura também oscilante. Como esses direitos não têm aplicação imediata, a Suprema Corte tem preferido uma posição mais conservadora do economicamente possível. Sobre esse aspecto, a palestrante reconheceu que é mais “fácil” para um juiz defender o direito à saúde pois as demandas que chegam a ele têm “rosto e nome”. 

 

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O vice-presidente da Comissão Interamericana de Direitos Humanos, Felipe González, falou na tarde desta segunda-feira (9) sobre como os países americanos têm interagido com as resoluções e a jurisprudência do sistema interamericano de Direitos Humanos, formado pela Comissão e pela Corte Interamericana.

Na opinião de González, o sistema tem ferramentas que têm contribuído para a proteção e evolução dos Direitos Humanos. A Comissão Interamericana, como lembrou o palestrante, é a porta de entrada no sistema, sendo a instância que recebe as denúncias. Outras atividades citadas são a preparação de relatórios temáticos e transversais e promoções de caráter educativo.

González esclareceu que todos os países membros da Organização dos Estados Americanos (OEA) estão sob a jurisdição da Comissão de Direitos Humanos. Para chegar à Corte, o caso precisa ser ratificado primeiramente pela Comissão. Segundo ele, a Comissão recebe cerca de mil denúncias por ano e os casos são encaminhados inicialmente para um acordo amistoso entre as partes.

O resultado do acordo pode ser desde uma indenização ou reparação simbólica até uma reforma legislativa. Caso não se chegue a um acordo, o assunto pode ser encaminhado à Corte Interamericana pela Comissão. A Corte decidirá sobre a questão e dará uma sentença.

Caso Maria da Penha

O vice-presidente afirmou que houve uma evolução no pagamento das indenizações. Um caso emblemático da atuação da Corte no Brasil foi o de Maria da Penha, mulher vítima de violência doméstica. O caso foi analisado pela Comissão há mais de uma década e o Brasil implementou a decisão sem ser necessário encaminhá-lo à Corte.

A partir desse fato, enfatizou o palestrante, surgiu a Lei Maria da Penha e toda uma política sistemática de proteção à mulher vítima de violência. “Isso é um exemplo de cumprimento que teve um efeito muito além do caso, que é o que a gente procura”, afirmou o especialista. “Se a Comissão ou a Corte simplesmente estabelecer o pagamento de uma indenização, elas não vão ter cumprido um efeito preventivo mais geral.”

Julgamento de Civis

O juiz membro da Corte IDH Diego Garcia-Sayán fez uma retrospectiva sobre o passado recente da América Latina, desde sua fase antidemocrática até o momento em que se percebe o progresso da “tolerância recíproca, transparência e liberdade de expressão”. Ele descreveu o século XX na América Latina foi um século de tensões entre as correntes democráticas e as autoritárias.

Como lembrou o palestrante, a Corte Interamericana também passou por um processo evolutivo. Segundo ele, a consolidação das instituições democráticas teve reflexos jurídicos e a Corte Interamericana faz parte desse contexto.

O juiz acrescentou ainda que, a exemplo do Peru, na maioria dos países latino-americanos a justiça militar não mais julga civis. Em 1999, a Corte estabeleceu as razões pelas quais os civis não deveriam ser julgados por tribunais militares, com base em casos analisados em vários países latino-americanos: a negação do princípio do juiz competente, a falta de independência e a falta de imparcialidade dos julgamentos.

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