A decisão foi do Plenário do Superior Tribunal Militar

Na tarde desta quinta-feira (16), o Superior Tribunal Militar (STM) decidiu, por maioria de votos, que é competência dos conselhos de justiça – órgãos de primeira instância da Justiça Militar da União – julgar ex-militares, ou seja, réus que na prática passaram a ostentar a condição de civis.

Até o momento, havia um entendimento diverso sobre o tema na apreciação dos processos em primeira instância que tinham como réus ex-militares. Muitos dos juízes federais da Justiça Militar da União estavam interpretando que, a partir da Lei 13.774/2018, os militares que deixassem as fileiras das Forças Armadas responderiam agora na condição de civis e, por isso, teriam o juiz de carreira da Justiça Militar como responsável pela condução do processo e do julgamento e não mais os conselhos de justiça.

A decisão fixa jurisprudência sobre a aplicação da Lei 13.774/2018, publicada no fim do ano passado, que determina que a competência para o julgamento de civis é do juiz monocrático (juiz togado) e não mais dos conselhos de justiça, formados pelo juiz de carreira e mais quatro oficiais das Forças Armadas.

Nesta tarde, no julgamento do Recurso em Sentido Estrito nº 7000198-61.2019.7.00.0000, venceu o entendimento de que apenas aquele que à época do cometimento do crime era civil deve ser julgado pelo juiz monocrático, como prevê a nova legislação aprovada ano passado, excluídos dessa regra os ex-militares.

A ação julgada foi um Recurso em Sentido Estrito impetrado pelo Ministério Público Militar (MPM) contra a decisão do juiz federal substituto da 2ª Auditoria da 3ª CJM (Bagé-RS), que deixou de convocar o Conselho Permanente de Justiça para processar um ex-militar denunciado por uso de entorpecentes (artigo 290 do Código Penal Militar), por entender que ele se enquadrava na condição de civil e que, por força da Lei 13.774/2018, deveria ser julgado monocraticamente pelo próprio juiz.

Em sua decisão o juiz destacou que “a lei afastou qualquer hipótese de submeter réus que não mais integram as fileiras militares ao processo e julgamento por militares dos Conselhos”. “E nesse caso, por conseguinte, ao Juiz Federal caberia processar e julgar, além dos civis que nunca foram militares, também os ex-militares, que ingressam nessa condição, como já está estampado no inciso I-B, do art. 30, da mesma lei”, declarou.

Ao apreciar o recurso no STM, a relatora do processo, ministra Maria Elizabeth Rocha, lembrou que o objetivo do novo diploma legal foi determinar que o civil que tenha cometido crime militar não mais fosse julgado por um conselho mas por um único juiz, aprovado por concurso público de provas e títulos. A ministra explicou que tal inovação se deve ao fato de não estar “o civil sujeito aos regramentos da caserna”.

Segundo a magistrada, tal previsão guarda perfeita consonância com princípios constitucionais como o juiz natural, a proporcionalidade, a razoabilidade, a economicidade, a celeridade processual e a isonomia.

“Por certo, o jus puniendi sobre os civis fundamenta-se em princípios diversos dos submetidos aos militares, pelo que devem ser julgados, somente, pelo juiz togado”, explicou. “Em que pese à novel redação da Lei de Organização Judiciária Militar, entendo que a mencionada alteração normativa refere-se, tão somente, aos réus que ostentavam desde sempre a condição de civil”.

Crime cometido por militar

Em seguida, a ministra descreveu as especificidades do crime de uso de drogas, que era objeto do recurso e que ocorreu antes da sanção da nova lei e enquanto o réu ainda era militar, sendo por isso necessário convocar o Conselho Permanente de Justiça.

Ela lembrou também que a formação mista do conselho – um juiz de carreira e quatro oficiais militares – foi consagrada "à vista das peculiaridades da vida na caserna, daí, mister mesclar a experiência dos juízes leigos com o saber jurídico dos togados, preservando, desse modo, os postulados tão caros à vida no aquartelamento”.

No seu voto, a magistrada esclareceu que se aplica, por analogia, ao processo penal a regra do artigo 43 do novo Código de Processo Civil, que estabelece o princípio da perpetuatio jurisditionis. Segundo a norma, a competência deve ser determinada no momento do registro ou da distribuição da petição inicial, sendo irrelevantes as modificações do estado de fato ou de direito ocorridas posteriormente, exceto quando houver supressão de órgão judiciário ou alteração de competência absoluta.

“Nessa lógica, o simples licenciamento do agente não possui o condão de acarretar a incompetência do Conselho Permanente de Justiça para julgar o feito, por servir de norte para a delimitação do Órgão Julgador o princípio tempus regit actum”, postulou Maria Elizabeth Rocha.

A ministra afirmou que o magistrado de primeira instância exerceu o papel de operador do direito, que é o de “interpretar as normas para melhor adequá-las à realidade fática”. No entanto, ao dar interpretação extensiva à Lei, a ministra entendeu que o juiz “acabou indo de encontro aos entendimentos desta Corte e às intenções do legislador, que evidentemente buscou readequar a questão do julgamento daqueles que sempre foram civis frente à Justiça Militar”.

A ministra concluiu seu voto declarando que a mudança legislativa não mudou o entendimento constitucional e da legislação vigente de que é o conselho de justiça o órgão competente para processar e julgar crimes militares praticados por militares, mesmo que mais tarde eles venham a ser licenciados da Força.

Recursos similares

Após a decisão do plenário, cerca de 20 recursos que tratavam da mesma matéria foram julgados segundo o mesmo entendimento, ou seja, o de restabelecer a competência dos conselhos de justiça para processar e julgar os réus que são ex-militares.

Entre os processos, teve destaque o Recurso em Sentido Estrito nº 7000312-97.2019.7.00.0000, cujos interessados eram os cinco militares processados pela morte, por afogamento, de três soldados, ocorrida durante exercício militar em Barueri (SP), em abril de 2017.

Após o encaminhamento do STM, todos os recursos foram remetidos para a primeira instância a fim de que sejam convocados os respectivos conselhos de justiça para o processamento e julgamento dos feitos.

Recurso em Sentido Estrito nº 7000198-61.2019.7.00.0000

Assista à íntegra do julgamento, que foi transmitido ao vivo pela internet

O juízo da primeira instância da Justiça Militar no Rio de Janeiro condenou seis ex-militares por causar lesões graves a dois soldados, durante um trote dentro de um alojamento do 27° Batalhão de Infantaria Paraquedista, na cidade do Rio de Janeiro. As penas aplicadas pelo crime de lesão grave variaram de 1 ano a 1 ano e seis meses de detenção.

Os fatos ocorreram no dia 31 de maio de 2016, por volta das 15h30, quando os militares agrediram os dois colegas com chutes e utilizando cordas, toalhas, cintos, pedaços de fios, ripa de madeira e borracha de acabamento de mesa. A prática é conhecida como “baco”, que consiste num “ritual de iniciação” violento.

Os dois recém-engajados à companhia se viram obrigados a ceder às pressões dos agressores, que prometeram que, caso o trote passasse daquele dia, eles iriam apanhar mais. Conforme descreve a denúncia, eles dirigiram-se ao alojamento dos cabos e lá foram amarrados e brutalmente agredidos, um de cada vez. Uma das vítimas teve a perda do testículo esquerdo e atrofia da bolsa escrotal esquerda.

Ao julgar o caso, o juiz Cláudio Amin, da 3ª Auditoria Militar do Rio de Janeiro, decidiu condenar seis dos oito soldados que estavam presentes no alojamento no dia dos fatos. Dois militares foram absolvidos por ter se comprovado que eles não participaram das agressões, conforme testemunhas.

Embora o Ministério Público Militar (MPM) tenha denunciado os militares por lesão grave, na sua modalidade dolosa (parágrafo 2º do artigo 209 do Código Penal Militar), o juiz federal da Justiça Militar Cláudio Amin entendeu que a lesão foi praticada dolosamente, mas que o resultado mais grave - a perda do testículo - foi decorrente de "culpa". Por essa razão o magistrado aplicou a tipificação prevista no parágrafo 3º do  artigo 209 (lesões qualificadas pelo resultado). 

Segundo o juiz, apesar de reconhecer a gravidade da lesão que resultou na perda de um dos testículos de uma das vítimas, não considerou “razoável entender que qualquer dos acusados pretendia ou assumiria o risco de provocar a perda de um testículo de um colega de caserna”.

“As lesões foram praticadas dolosamente, não há como negar diante das circunstâncias, tendo os acusados desferido chutes na vítima. Entretanto, certamente, houve um excesso não desejado pelos acusados que ocasionou a perda irreparável para a vítima. Não é possível mensurar o que a perda de um testículo representa para um jovem de 19 anos, porém não se justifica uma punição além do que, efetivamente, foi apurado nos autos”, afirmou o magistrado.

O juiz afirmou também que a prática não é um fato isolado nas Forças Armadas, mas que tais condutas são inaceitáveis no meio militar, onde devem imperar a hierarquia e a disciplina. “Costumam os eventuais acusados afirmar que se trata de uma brincadeira e que, eles mesmos, já teriam passado por essa situação como vítimas, declarou o juiz. “Entretanto, esses fatos não justificam as condutas praticadas por eles. É inadmissível a prática de agressões a pretexto de se tratar de uma brincadeira. Aliás, como podem alegar ser uma brincadeira quando uma das vítimas, que não foi voluntária, perde um dos testículos?”

Ainda cabe recurso da decisão no Superior Tribunal Militar (STM), em Brasília. Os réus terão direito à suspensão condicional da pena (sursis) e o direito de apelar em liberdade.

 

 

 

No período de 28 a 30 de maio, a Escola Nacional de Formação e Aperfeiçoamento de Magistrados da Justiça Militar da União (Enajum) vai promover a 1ª Jornada de Direito Militar.

O evento será realizado no Centro de Eventos e Convenções Brasil 21, em Brasília, e faz parte do Programa de Formação Continuada para Magistrados da Justiça Militar da União.

A intenção da Enajum é proporcionar a juízes e ministros da Justiça Militar da União debates para que posições interpretativas no âmbito da 1ª instância sejam uniformizadas, no que tange ao Direito Penal Militar e ao Direito Processual Penal Militar, adequando-as às inovações legislativas, especialmente à Lei 13.491/2017 e à Lei 13.774/2018, além de posições doutrinárias e jurisprudenciais dessa Justiça Especializada.

A palestra de abertura da 1ª Jornada de Direito Militar será feita pelo ministro Luiz Fux, do Supremo Tribunal Federal, seguida por outra, sobre a “Dispensa das Alegações Escritas e Orais e Supressão da Sessão de Julgamentos, com o subprocurador-geral de Justiça Militar, Clauro Roberto Bortolli.

No penúltimo dia do evento (29), o juiz de Direito André de Mourão Motta, do Tribunal de Justiça Militar do estado de Minas Gerais irá palestrar sobre “A competência monocrática do juiz togado da JME”.

Confira a programação.

 

 

 

 

O Superior Tribunal Militar (STM) manteve condenação a um ano de reclusão de ex-soldado que se apropriou indevidamente do automóvel de seu superior hierárquico enquanto servia no III COMAR, no Rio de Janeiro. Na época no crime o réu era militar da ativa. Também foi condenado o primo dele (civil), que escondeu o veículo em sua residência.

Os fatos se passaram no dia 21 de janeiro de 2015, quando, após o almoço dentro do quartel, um coronel notou que havia perdido a chave do carro. Ao voltar no dia seguinte ao estacionamento e portando a chave reserva do carro, o militar se deu conta de que o veículo havia desaparecido.

Segundo a denúncia do Ministério Público, o acusado, que prestava serviço de guarda no dia 21, recebeu a chave encontrada por uma aspirante a oficial, a fim de restituí-la ao dono. No entanto, ele ligou para seu primo e propôs a apropriação do veículo particular.

Mais tarde, câmeras de segurança do estacionamento identificaram os dois homens que realizaram a ação criminosa: o civil dirigia o veículo, enquanto o militar o acompanhava de moto até sua casa. Após a elucidação do caso, ambos foram presos em flagrante e passaram a responder à Ação Penal na Justiça Militar da União, por terem se apropriado de coisa alheia móvel, de que tinham a posse em lugar sujeito à administração militar (crime previsto no artigo 248 do Código Penal Militar).

Em outubro de 2017, o Conselho Permanente de Justiça, com sede no Rio de Janeiro, condenou os réus à pena de um ano de reclusão, por apropriação indébita, conforme pedia a acusação.

Na fundamentação da sentença, o Conselho ressaltou não haver dúvidas de que os fatos se passaram conforme a denúncia, que entendeu se tratar o caso de apropriação indébita. Ainda de acordo com a sentença condenatória, o réu tinha a posse não vigiada do bem, “sendo assim não furtou, mas sim se apropriou”.

A pena de ambos os acusados foi fixada em seu mínimo legal, devido à primariedade dos réus e ao fato de não ter havido prejuízo maior para o ofendido, tendo em vista que o veículo foi recuperado.

Réus recorrem ao STM

Ao recorrer ao STM, a defesa dos acusados alegou que a sentença da primeira instância não observou o princípio da correlação entre a imputação e sentença, pois a dinâmica dos fatos narrados na denúncia se moldaria à definição do crime de furto (artigo 240 do CPM) e não ao delito de apropriação indébita.

Ao proferir o seu voto, o relator do caso no STM, ministro Odilson Sampaio Benzi, declarou que a alegação da defesa não procedia.

Segundo o magistrado, conforme o que foi apurado, os réus não empregaram meios obscuros para se apropriar da chave daquele carro, como também não se utilizou de nenhum objeto ou instrumento – como chave falsa ou chave de fenda – para abrir o mencionado veículo.

“Como se vê, existem algumas diferenças entre furtar e se apropriar. Por exemplo, no primeiro crime, a coisa alheia móvel é subtraída ou arrebatada de seu proprietário, de maneira astuta, sorrateira, às escondidas. No segundo delito, não há a subtração porque o infrator já tem a posse ou detenção do bem, de maneira que ele age, às claras, pois já fez sua ou se apropriou da coisa alheia”, explicou o ministro.

Com base no voto do relator, o STM manteve a sentença condenatória da Auditoria Militar do Rio de Janeiro, que fixou a pena em um ano de reclusão, pelo crime de apropriação indébita.

Apelação nº 7000554-90.2018.7.00.0000

A sessão de julgamento foi transmitida ao vivo

 

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