O Superior Tribunal Militar (STM), na última quarta-feira (20), confirmou entendimento de que o crime de receptação, na legislação penal militar, admite o dolo eventual. Nessa situação, o agente, mesmo sem querer efetivamente o resultado, assume o risco de produzi-lo.

O posicionamento aconteceu durante o julgamento de um civil condenado na primeira instância pela receptação de viatura pertencente à 4ª Companhia de Comunicações, que havia sido furtada de uma oficina na cidade de Belo Horizonte (MG). Segundo a defesa do réu, ele não tinha conhecimento da origem ilícita do carro e, por isso, pediu ao STM para desclassificar o crime para a modalidade culposa, quando não há intenção de praticar o ilícito.

No entanto, o relator do caso, ministro Lúcio Mário de Barros Góes, destacou que “o crime de receptação previsto no artigo 254 do Código Penal Militar, diversamente do previsto na legislação penal comum, não se restringe ao dolo na modalidade direta, admitindo-se também o dolo eventual para a sua configuração. Nesse sentido, é o entendimento do jurista Guilherme de Souza Nucci”.

Segundo o magistrado, apesar de não ter sido possível identificar o autor do furto da viatura, “para a configuração do delito de receptação é necessário que a coisa seja proveniente de um crime anterior. No caso vertente, está claro que houve o furto, embora não tenha sido possível identificar o respectivo autor, o que não implica nenhuma consequência para a configuração do crime de receptação”.

O Plenário da Corte superior também confirmou a decisão da Auditoria de Juiz de Fora de condenar o réu a um ano, onze meses e dez dias de reclusão. A pena, acima do mínimo legal, também foi questionada no recurso apresentado ao Superior Tribunal Militar. Segundo a defesa, a primeira instância, para fixar a pena, incorreu em dupla valoração - maus antecedentes e reincidência - em prejuízo do réu.

O ministro-relator não acatou o argumento da defesa. Segundo o magistrado, o acusado possui condenações criminais, já transitadas em julgado, pela prática de diversos outros crimes, como uso e tráfico de entorpecentes, crimes de trânsito, ameaça, furto e receptação.

“Desta forma, é inegável que o apelante possui maus antecedentes, sendo perfeitamente legítimo que o órgão julgador, no processamento da dosimetria da pena, considere as condenações anteriores distintas como sendo indicativos de maus antecedentes e, além disso, use uma das condenações transitadas em julgado para a aplicação da agravante – obrigatória - da reincidência prevista no artigo 70, inciso I, do CPM, sem que isso configure alguma ilegalidade”, concluiu o relator, que foi acompanhado por unanimidade pelos demais ministros.

 

Armas apreendidas pela polícia são destruídas pelo Exército

O Superior Tribunal Militar reformou decisão da primeira instância da Justiça Militar da União e recebeu denúncia contra três ex-soldados do Exército por furto de 17 armas e dois outros acusados de receptação, um ex-militar e um civil. Eles são acusados de furtar o armamento coletado durante a campanha de desarmamento dos governos federal e estadual e de armas à disposição da Justiça Estadual de Minas Gerais.

Segundo o Ministério Público Militar, os acusados eram soldados do 4º Depósito de Suprimento, sediado em Juiz de Fora (MG), quartel do Exército responsável pela guarda e posterior destruição do material apreendido pela polícia. Investigações da Polícia Civil apontaram para uma possível existência de esquema de subtração desse tipo de armamento e munições de dentro do quartel.

O esquema criminoso envolvia quatro militares daquela unidade, que seriam responsáveis pelos desvios e repasse das armas. Uma quinta pessoa, civil, seria a responsável pela posterior comercialização da “mercadoria”. As armas acauteladas pelo Poder Judiciário e as coletadas na campanha de desarmamento eram entregues pela Polícia Militar ao 4º Depósito de Suprimento.

Ainda segundo o Ministério Público Militar, as armas de alto valor e as mais chamativas eram imediatamente inutilizadas. Mas durante o transporte das demais armas, por várias ocasiões, os soldados seguiram sem a supervisão de nenhum superior na carroceria aberta do caminhão, repleta de armas e distribuídas em caixas igualmente abertas. Os militares, segundo a promotoria, aproveitavam este momento para desviar as armas de maior valor de mercado. Outro militar, lotado no setor de informática do quartel, seria o responsável por impedir a filmagem das subtrações, que ocorriam à noite.

Diante dos fatos, a promotoria ofereceu denúncia criminal contra os ex-soldados D.O.B, D.A.F e D.S.M pela prática, por 17 vezes, do crime de furto; e o ex-soldado T.D.R e contra o civil B.S.G pelo crime de receptação, previsto no artigo 254 do Código Penal Militar.

No entanto, entre as 17 armas apreendidas pela Polícia Mineira que foram subtraídas do 4º Depósito de Suprimentos, o juízo da Auditoria de Juiz de Fora negou a instauração de ação penal no tocante a quatro armas. Segundo a juíza-auditora, no caso dessas armas, documentos apontam que elas foram coletadas e supostamente destruídas antes de os acusados começaram a servir no quartel em 2010, portanto, eles não poderiam ser os autores desses crimes.

Inconformado com a decisão do juiz de primeira instância, o Ministério Público Militar recorreu ao STM. Ao analisar o recurso, o ministro Carlos Augusto de Sousa resolveu acatar o pedido dos promotores e receber a íntegra da denúncia. Segundo o magistrado, há indícios suficientes em relação aos denunciados, tanto pelos testemunhos prestados em sede de inquérito e interceptações telefônicas conduzidas pela Polícia Civil, quanto pela busca e apreensão realizada na residência de um dos militares.

A dúvida, segundo o ministro, reside tão somente em relação à quantidade de armamento furtado que se pode imputar a cada um dos ex-militares. "Assim, em que pese a juíza-auditora ter entendido que seria inviável o furto de armamento em momento posterior à data em que deveria ter sido destruído, posição essa reiterada pelas defesas dos recorridos, o Ministério Público Militar foi coerente e eficiente ao demonstrar que os termos de destruição não podem servir como parâmetro para determinar a quantidade e a identidade do material bélico efetivamente destruído no 4º Depósito de Suprimentos”, disse o ministro Carlos Augusto.

Ainda segundo ele, as informações colhidas no procedimento investigatório são ricas em detalhes ao narrar a ineficácia do controle do quartel nos procedimentos de armazenamento, transporte e destruição do armamento recebido e por isso não se pode descartar a possibilidade de o armamento tido como destruído ter permanecido nas dependências do quartel, possibilitando seu furto em época futura.

Com a decisão de receber a denúncia, o processo volta para a primeira instância onde deverá seguir o processo penal militar. 

Neste artigo, o juiz-auditor substituto da 4ª CJM, André Lázaro Ferreira Augusto, aborda o tema da aplicação do princípio da insignificância pela autoridade policial militar.

O texto foi publicado na Edição 24 da Revista do Ministério Público Militar, cujo tema foi a Justiça Militar brasileira.

Resumo

Os militares, quando atuam como responsáveis por procedimentos de investigação criminal, podem deparar-se com condutas em que seja patente que, caso venha a ser condenado o infrator, haverá sensível desproporcionalidade entre a punição que a ele será aplicada e o mal que causou. Assim, no presente trabalho será analisada a possibilidade de a Autoridade Policial Militar aplicar o princípio da insignificância, seja para evitar a instauração da investigação, seja para impedir que o infrator vá ao cárcere. Para tanto, serão estudados o crime militar, as características principais dos procedimentos de investigação policial militar, o princípio da insignificância e o tratamento que recebe da doutrina e da jurisprudência brasileiras.

 

Documentos de Afonso Celso Lana localizados na Auditoria da 4ª CMJ.

A Auditoria da 4ª Circunscrição Judiciária Militar, primeira instância da Justiça Militar da União em Minas Gerais, e a Comissão Municipal da Verdade de Juiz de Fora (CMV-JF) promovem no dia 17 solenidade para restituir documentos pessoais juntados aos autos e que não foram retirados pelas pessoas que responderam inquérito ou processo na 4ªCJM no período de 1964 a 1985. A solenidade acontece às 19h, no Plenário da Auditoria.

A maior parte desse material - que inclui fotos, passaporte, carteiras de identidade e de trabalho, entre outros documentos - é referente à década de 1970 e ficou sob guarda judicial, mas, com o encerramento dos processos, parte dos interessados não retornou para buscar a documentação. Entre os que tiveram a documentação retida estão a presidente da República, Dilma Rousseff, e o prefeito de Belo Horizonte, Márcio Lacerda.

Além deles, outras dezenas de pessoas que atuaram como militantes contra o regime militar ainda têm documentação sob a tutela da Auditoria da 4ª CJM. A lista completa com os nomes das pessoas cuja documentação foi localizada pela equipe da Auditoria encontra-se abaixo e todas estão convidadas para receberem o que lhes compete neste ato simbólico pela consciência democrática.

A vice-presidente da CMV-JF, Cristina Guerra, acredita que, por medo, as pessoas que responderam processo na Auditoria Militar não retornaram para reaver os documentos. "Este é um ato de coragem da Justiça Militar local, que, em parceria com a Comissão da Verdade, pretende que esta ação sirva de exemplo para outras instituições no sentido de garantir a abertura e o acesso aos arquivos da ditadura."

Ainda que nem todos os cidadãos envolvidos possam estar presentes no ato de devolução dos documentos, a restituição e ampla divulgação desta proposta simboliza um novo momento democrático e pretende contribuir com as ações em prol da memória, verdade e justiça. Portanto, os documentos continuarão à disposição de seus proprietários e de seus familiares ou representantes legais, para que sejam retirados posteriormente.

"A restituição destes documentos, fotos e bens decorre de imposição da lei, não existindo quaisquer justificativas para sua permanência na Auditoria, uma vez que não interessam mais a qualquer processo, devendo retornar a seus legítimos proprietários. Por outro lado, também queremos com essa ação encerrar as pendências que ainda existem deste período, com um chamado para o apaziguamento, demonstrando que hoje, mais do que nunca, vivemos em uma democracia que não aceita atentados aos direitos individuais. Temos certeza que este ato é também uma forma de resgate da história pessoal de cada um dos interessados, que têm direito a ter de volta os registros do passado, as memórias que ficaram retidas pelo Estado", destaca a juíza-auditora Maria do Socorro Leal.

Como forma de preservar a memória e garantir o acesso às informações do período de 1964 a 1985, a CMV-JF e a Auditoria da 4ª CJM também solicitarão aos proprietários dos documentos – ou seus familiares, no caso daqueles que já faleceram – a autorização para que uma cópia desse material localizado fique arquivada nos acervos da Auditoria e da comissão, como forma de preservar essas histórias pessoais.

Além desses documentos localizados recentemente, a parceria firmada entre as instituições estabelece o acesso dos pesquisadores da CMV-JF aos livros do período de 1964 a 1985 que ainda estão sob a guarda da Auditoria da 4ª CJM. Dessa forma, a comissão pode analisar a documentação referente aos presos políticos que responderam a processos em Juiz de Fora nesse período. Em contrapartida, a CMV-JF está digitalizando o acervo e o devolverá ao órgão, cumprindo sua função de resgatar os arquivos e as memórias sobre o período e de contribuir para a preservação do acervo referente ao sistema de repressão que funcionou em Juiz de Fora.

A realização deste ato de restituição de documentos conta com o importante apoio da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) subseção Juiz de Fora e seccional Minas Gerais, Caixa de Assistência dos Advogados de Minas Gerais, Prefeitura de Juiz de Fora, Câmara Municipal de Juiz de Fora, Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF), Comissão da Verdade de Minas Gerais (Covemg) e Comissão Nacional da Verdade (CNV).

Lista de pessoas cujos documentos pessoais foram localizados no acervo da Auditoria da 4ª CJM:

  1. 1. AFONSO CELSO LANA LEITE
  2. 2. ANA LÚCIA BATISTA
  3. 3. ANGELO PEZZUTI DA SILVA
  4. 4. ANTÔNIO CARLOS BICALHO LANA
  5. 5. ANTÔNIO MAGALHÃES
  6. 6. ANTONIO MARIAS ZACARIAS
  7. 7. ARNALDO FORTES DRUMOND
  8. 8. BRAZ TEIXEIRA DA CRUZ
  9. 9. CLAÚDIO GALENO MAGALHÃES LINHARES
  10. 10. CONCEIÇÃO IMACULADA DE OLIVEIRA
  11. 11. DILMA VANA ROUSSEFF
  12. 12. ERWIN REZENDE DUARTE
  13. 13. FERNANDO DE FREITAS PICARDI
  14. 14. GERALDO CLEMENTE SOARES
  15. 15. HENRIQUE ROBERTI SOBRINHO
  16. 16. JORGE RAIMUNDO NAHAS
  17. 17. JOSÉ ADÃO PINTO
  18. 18. JOSÉ NATALINO MAGALHÃES
  19. 19. JOVIANO LINHARES
  20. 20. JÚLIO ANTÔNIO BITTENCOURT ALMEIDA
  21. 21. LEILA DIAS DE ARAÚJO
  22. 22. MARIA IMACULADA DINIZ
  23. 23. MARCIO ARAUJO DE LACERDA
  24. 24. MARCO ANTONIO VICTORIA BARROS
  25. 25. MARIA JOSÉ DE OLIVEIRA CARVALHO
  26. 26. MAURÍCIO VIEIRA DE PAIVA
  27. 27. MARIO ROBERTO GALHARDO ZANCONATO
  28. 28. NELSON JOSÉ DE ALMEIDA
  29. 29. PEDRO PAULO BRETAS
  30. 30. ROUBERDÁRIO DINIZ VALÉRIO
  31. 31. SÉRGIO BITTENCOURT SIQUEIRA
  32. 32. SONIA TERESINHA ROCHA REIS

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