08/09/2025

“Só lei pode mudar composição do Conselho de Justiça”, decide STM sobre aplicação de paridade de gênero

O Superior Tribunal Militar (STM) decidiu, na última quinta-feira (4), que apenas lei formal pode alterar a composição dos Conselhos de Justiça da Justiça Militar da União.

A decisão ocorreu no julgamento de correição parcial ajuizada pelo Ministério Público Militar (MPM) contra determinação da 2ª Auditoria da 3ª Circunscrição Judiciária Militar (CJM), em Bagé (RS), que havia adotado critérios de paridade de gênero na formação dos Conselhos, estabelecendo a reserva de duas vagas para oficiais do sexo feminino nos sorteios realizados em janeiro de 2025.

Os Conselhos de Justiça são órgãos de primeira instância da Justiça Militar da União e funcionam em duas modalidades: os Conselhos Permanentes de Justiça, sorteados a cada três meses para julgar processos de praças, e os Conselhos Especiais de Justiça, formados para cada caso quando o réu é oficial.

Em ambos, além do juiz federal da Justiça Militar, participam quatro oficiais da Força Armada a que pertence o acusado.

A decisão de primeira instância que motivou a controvérsia seguiu recomendações da Corregedoria da Justiça Militar da União (JMU) e protocolos do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) para aplicação da perspectiva de gênero nos julgamentos, tendo como base as Resoluções nº 255/2018 e nº 492/2023, o Protocolo de Julgamento com Perspectiva de Gênero de 2021 e a Recomendação nº 79/2020 do próprio CNJ.

O MPM, entretanto, contestou a medida ao alegar inexistência de fundamento legal, sustentando que a alteração só poderia ocorrer por meio de lei aprovada pelo Congresso Nacional.

Na sessão, a Defensoria Pública da União defendeu a manutenção da sistemática implementada pela 2ª Auditoria de Bagé, afirmando que a ausência de lei específica não tornava a decisão ilegal.

Para a advogada pública que atuou no caso, garantir a participação feminina nos Conselhos não viola o princípio da legalidade, mas concretiza normas constitucionais e tratados internacionais assumidos pelo Brasil, como a Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra a Mulher (CEDAW), incorporada ao ordenamento jurídico pelo Decreto nº 4.377/2002.

A DPU sustentou ainda que a igualdade material exige ações estatais para corrigir desigualdades históricas e estruturais e que a baixa presença feminina na Justiça Militar reforça a necessidade de medidas que assegurem maior pluralidade de visões nos julgamentos.

O Plenário do STM, por maioria, decidiu que só lei pode mudar a composição dos Conselhos de Justiça. Orientou refazer os sorteios que tenham adotado critério diverso do previsto no artigo 18 da Lei de Organização da Justiça Militar (LOJM) e declarou a nulidade apenas dos atos decisórios do Conselho de Justiça envolvido no caso que originou o recurso, preservando os demais em respeito aos princípios da legalidade, da segurança jurídica, do juiz natural e da separação dos poderes.

O STM determinou, ainda, o prosseguimento imediato das ações penais que estavam suspensas em decorrência da decisão de Bagé. De acordo com informações da Procuradoria-Geral da Justiça Militar, 45 processos estavam paralisados aguardando o julgamento da matéria.

Em seu voto, o relator, ministro Odilson Sampaio Benzi, reconheceu a relevância da promoção da igualdade de gênero no Judiciário, mas afirmou que alterações dessa natureza exigem lei formal. Para o ministro, ainda que as causas defendidas sejam legítimas e bem-intencionadas, cortes de justiça não podem “atropelar” a legislação vigente e assumir papel legislativo, sob pena de comprometer a independência entre os poderes.

Ele destacou que há um projeto de lei em tramitação no Congresso Nacional sobre a aplicação da paridade de gênero no Tribunal do Júri e que, até sua aprovação, não há respaldo legal para adotar o mesmo modelo nos Conselhos de Justiça da JMU.

O relator concluiu que, diante da inexistência de critérios objetivos definidos em lei, a Justiça Militar deve observar integralmente a legislação atual. Apenas a partir da aprovação de norma específica será possível viabilizar a aplicação da paridade de gênero, considerando o efetivo feminino disponível em cada Auditoria e as peculiaridades da Justiça Militar.

Nota da Presidente do Superior Tribunal Militar, Ministra Elizabeth 

"Na qualidade de presidente do Superior Tribunal Militar, manifesto, com o devido respeito às decisões colegiadas, meu posicionamento divergente à decisão que restringiu a aplicação da paridade de gênero na composição dos Conselhos de Justiça da JMU.

Participei da elaboração do Protocolo para Julgamento com Perspectiva de Gênero, que serviu de fundamento para a Resolução nº 492/2023 do CNJ, a qual determinou sua aplicação em todos os ramos do Judiciário, inclusive na Justiça Militar, em consonância com a Constituição Federal.

No mesmo sentido, foi editada Recomendação da Corregedoria do STM. Essas medidas reafirmam a necessidade de assegurar a participação feminina no Poder Judiciário, promovendo pluralidade e legitimidade nas decisões judiciais.

A paridade de gênero nos Conselhos de Justiça não representa inovação legislativa, mas a efetivação do princípio constitucional da igualdade e dos compromissos internacionais assumidos pelo Brasil. Ressalto que as resoluções do CNJ possuem força normativa, devendo ser observadas por todos os ramos do Judiciário, contribuindo para a construção de uma Justiça mais representativa e equânime".

CORREIÇÃO PARCIAL MILITAR Nº 7000113-65.2025.7.00.0000

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