O Superior Tribunal Militar (STM) condenou um ex-soldado pelo furto de uma pistola, num quartel do Exército localizado na cidade de Picos (PI). A decisão do tribunal confirmou a sentença de 1 ano e 4 meses de detenção e foi tomada após o julgamento de uma apelação que pedia a absolvição do réu.

De acordo com a denúncia, em agosto de 2018, o então soldado participou de treinamento de ordem unida com arma. Ao final da atividade, o referido militar foi designado para guardar os fuzis na Reserva de Armamento. Após o cumprimento da determinação, o soldado aproveitou-se da oportunidade de acesso àquele ambiente e subtraiu a pistola Beretta.

Segundo a acusação, a falta da pistola foi percebida apenas no dia seguinte à sua subtração, durante conferência da Reserva de Armamento. Conforme pontuado na denúncia, diante da gravidade dos fatos, de imediato, foram iniciadas as medidas para a localização da pistola. Em decorrência, às 21h30min, aproximadamente, o responsável pelo furto confessou informalmente a prática delitiva perpetrada no dia anterior e contou que tinha levado a arma para sua casa. Após a apreensão do armamento, o militar recebeu voz de prisão e foi conduzido para a sede do batalhão da Polícia Militar para que fossem tomadas as medidas legais cabíveis.

Após julgamento no Conselho Permanente de Justiça para o Exército (CPJ Ex), da Auditoria da 10ª CJM (Fortaleza), o ex-militar foi condenado com base no artigo 240, § 5º, do Código Penal Militar (CPM).

Julgamento no STM

Na apelação dirigida ao STM, a Defensoria Pública da União (DPU) pleiteou para o réu a aplicação do Princípio da Insignificância, alegando uma suposta falta de tipicidade objetiva.

Porém, o ministro Marco Antônio de Farias, relator do caso, declarou em seu voto que o furto de armamento não pode ser considerado insignificante no seio das Forças Armadas em nenhuma circunstância. Além disso, o ministro lembrou que a sentença foi precisa ao “balizar os critérios norteadores para afastar a aplicação do Princípio da Insignificância”.

“Além do valor da res furtiva, verificam-se, ainda, a relevante periculosidade social da ação, o alto grau de reprovabilidade do comportamento e a nítida ofensa da conduta. A periculosidade social da ação sobressai gravemente. Subtraiu-se do controle da OM armamento com poder letal. O grau de reprovabilidade da conduta foi altíssimo, em face do mau exemplo perante os seus pares e do abatimento desse importante material bélico”, concluiu o ministro.

Em seu voto, que decidiu pela confirmação da sentença aplicada ao réu, o ministro lembrou ainda que a ofensa da conduta também está presente, pois o autor se valeu de falhas na vigilância e da confiança que detinha na organização militar. Segundo ele, “mediante perfídia, lesou o patrimônio da União e abateu a credibilidade do Sistema de Segurança orgânica e a sensação de ordem no quartel”.

Furto de uso

Uma outra tese apresentada pela defesa era a desclassificação do crime para furto de uso (furto seguido de devolução), o que também não foi aceito pelo relator. Segundo o ministro, o crime de furto de uso, previsto no artigo 241 do CPM, tem elementares objetivas e que estão ausentes no caso em questão. Outro fato foi apontado pelo relator como contrário à natureza do furto de uso: não houve a devolução imediata da coisa furtada.

Conforme registrado na sentença, foram necessárias diligências para a recuperação da pistola, com militares deslocando-se até a residência do réu para tal intento. “A ausência de devolução imediata da pistola, por si só, já afasta a desclassificação requerida”, afirmou o ministro. “Ademais, a elementar subjetiva não se mostra presente. Não se comprovou, minimamente, que o dolo seria o mero uso instantâneo, pois a versão de tentar suicídio resultou nebulosa.”

No voto, ministro Farias declarou que o dolo consubstanciou-se no fato de “possuir a coisa para si, o chamado ‘animus rem sibi habendi’ dos crimes patrimoniais”. Dessa forma, o militar furtou a pistola após entrar na reserva de armamento, sob o manto de devolver fuzis utilizados em instrução e, na posse do bem, permaneceu até o dia seguinte, à noite.

“Cabe-nos, ainda, uma reflexão: sabedores do interesse das organizações criminosas pelo armamento de calibre militar, a pistola Beretta 9 mm, furtada, e objeto do desejo dos malfeitores, bem que poderia ter o destino final a serviço da marginalidade, o que seria lastimável para a sociedade a quem as Forças Armadas servem”, concluiu o ministro.

Apelação 700045-91.2020.7.00.0000

O Superior Tribunal Militar (STM) manteve a condenação de um empresário de Recife (PE), por corrupção ativa, e de um sargento do Exército, por corrupção passiva, por ter sido comprovada a participação de ambos em um esquema fraudulento que lesava o 14º Batalhão Logístico (14º B Log), quartel do Exército sediado na capital pernambucana.

As fraudes ocorreram por um ano, entre 2012 e 2013, mas foram levantados indícios de que as ações criminosas se passavam há vários anos, sempre tendo como protagonista o empresário, sócio-proprietário de um armazém de construção, historicamente um antigo fornecedor das Forças Armadas e de outros órgãos públicos em Recife e Olinda.

A denúncia do Ministério Público Militar (MPM) conta que um sargento, servindo à época no Pelotão de Obras do 14º Batalhão Logístico, entrou em contato com o fornecedor para cobrar a entrega de cimento já empenhado pelo Batalhão. A empresa informou que o material já havia sido entregue em mãos de um outro militar, também sargento daquela unidade do Exército.

Isso deu ensejo a uma investigação e após diversas conferências de material do almoxarifado militar, apurou-se a falta de diversos materiais de construção, como cimento e até janelas, que supostamente tinham sido recebidos pelo sargento, mas nunca teriam entrado na unidade militar.

Para o MPM, o sargento - réu na ação e chefe de pelotão de obras do 14º B Log - aproveitou-se da confiança depositada nele para receber vantagens indevidas. Restou apurado, segundo a promotoria, que ele atestava o recebimento das notas fiscais, mas o material nunca saía da empresa. Diversos depósitos na conta do militar foram identificados com a quebra de sigilo fiscal, mostrando a conta bancária da empresa como origem.

Para o MPM, a empreitada criminosa somente pôde se consumar em razão da participação livre e consciente do empresário denunciado, pessoa responsável por negociar diretamente com o militar a entrega de "materiais diversos", em troca da assinatura do sargento de "nota a pagar" no valor negociado, que seriam quitadas pelo Batalhão e os bens desviados em benefício do militar.

No julgamento de primeira instância, ocorrido em junho do ano passado, na 7ª Auditoria da Justiça Militar da União, em Recife, o Juiz Federal da Justiça Militar condenou o sargento a pena de três anos e quatro meses de reclusão pelo crime previsto no artigo 308 do Código Penal Militar (CPM) - corrupção passiva, por nove vezes, com regime inicialmente aberto, sem sursis, e o absolveu do crime previsto no artigo 303 do CPM - peculato.

Já em relação ao acusado civil, o magistrado, também em decisão monocrática, o condenou a pena de um ano e oito meses de reclusão, pelo crime previsto no artigo 309 do CPM (corrupção ativa), por nove vezes, com direito ao sursis pelo prazo de 2 anos, em regime inicialmente aberto, e o absolveu do crime previsto no art. 303 do CPM.

Inconformados com a decisão, ambos os réus entraram com recurso junto ao STM. Em suas razões de apelação, a defesa do acusado militar pediu a reforma da sentença condenatória, objetivando a absolvição.

Apelação no STM

Ao apreciar o recurso de apelação, o ministro Lúcio Mário de Barros Góes negou provimento a ambos os pedidos. Para o relator, restou devidamente comprovada a participação dos acusados nos delitos de corrupção ativa e passiva, em que pese terem negado os fatos em seus interrogatórios.

“As condutas criminosas imputadas ao acusado militar somente se consumaram em razão da participação livre e consciente do acusado civil, sócio das empresas de materiais de construção, que era a pessoa que negociava diretamente com o sargento a entrega de "materiais diversos", de valores e qualidades dolosamente não especificados, em troca da assinatura do militar nas "nota a pagar" no valor negociado, que seriam quitadas, em data futura, pelo Batalhão”, disse o relator.

O ministro informou que nos autos não há dúvida que o acusado civil liquidou as notas fiscais sem se embasar em documentos aptos a comprovar a entrega à Administração Militar dos produtos por ele declarados. No tocante ao réu militar, o magistrado afirmou que ele era o chefe do pelotão de obras do 14º BLog, e deveria, para tanto, zelar pelo recebimento correto dos materiais e evitar que qualquer conduta ilegal fosse praticada.

“No entanto, agiu de maneira ilícita, praticando o delito de corrupção passiva quando recebeu indevidamente valores em sua conta e atestou, de maneira pseudônima, o recebimento de produtos de construção, que não ingressaram no Batalhão. Registre-se que os valores depositados em sua conta corrente harmonizam-se a pagamentos mensais de aproximadamente R$ 2.000,00, conforme as notas de materiais diversos. Inclusive, 4 das 9 notas a pagar são de R$ 1.830,00, desmentindo a versão que seriam materiais não especificados, pois seria uma coincidência enorme totalizarem R$1.830,00.

Em relação às propinas das demais notas, continuou o relator, estas provavelmente foram entregues em espécie (muito comum em crimes dessa natureza), conforme movimentação bancária, “na qual se verificam nove depósitos em espécie, sem identificação dos respectivos autores, totalizando o montante de R$ 10.207,00”.

A condenação foi mantida pelo relator e, por unanimidade, pelos demais ministros do STM.

APELAÇÃO 7000786-68.2019.7.00.0000

A 2ª Auditoria da 2ª CJM, em São Paulo, realizou, em 18 de dezembro, a primeira audiência de custódia por videoconferência.

O ato foi realizado sob a égide da Resolução nº 357 do Conselho Nacional de Justiça, de 26 de novembro de 2020, que autoriza e regulamenta a realização de audiências de custódia por videoconferência em tempos de pandemia.

Todos os requisitos previstos no normativo foram observados, especialmente a disposição de câmeras para averiguação em 360º do ambiente onde se realizou a oitiva.

O preso estava custodiado na carceragem do Parque de Material Aeronáutico de São Paulo (PAMA), local onde foi disponibilizada uma sala com as câmeras necessárias para a realização da audiência de custódia na forma regulamentada pela referida Resolução.

A audiência foi presidida pela juíza federal da Justiça Militar Vera Lúcia da Silva Conceição, e dela participaram Renato Brasileiro de Lima, promotor de Justiça do Ministério Público Militar, e Leonardo José da Silva Beraldo, defensor público Federal, que elogiou também a atuação do oficial de justiça do Juízo.

Legenda/audiodescrição: imagem de pístolas sobre uma mesa.

A primeira instância da Justiça Militar da União, em Brasília, condenou um major do Exército a mais de 6 anos de reclusão após “esquentar” armas de fogo irregulares no Sistema de Gerenciamento Militar de Armas (SIGMA). O oficial era o chefe adjunto do Serviço de Fiscalização Produtos Controlado (SFPC/11), da 11ª Região Militar, órgão do Exército em Brasília.

O esquema fraudulento foi descoberto por um oficial, que denunciou o caso aos seus superiores. O Exército abriu uma investigação interna através de um Inquérito Policial Militar e identificou diversas irregularidades e crimes militares. Segundo a denúncia do Ministério Público Militar (MPM), dez armas foram envolvidas das fraudes.

O major teria, entre janeiro e outubro de 2016, cadastrado em seu nome e de forma indevida no SIGMA, uma pistola Glock .40, um fuzil Imbel 7,62mm, uma pistola Glock 9mm, uma pistola IMI 9mm e uma pistola Glock .45.

Também teriam sido registradas no sistema, em nome de terceiros, uma pistola Glock 9mm e uma espingarda Winchester, calibre 12. Por isso, o militar teria cometido o crime de “inserir dados falsos, alterar ou excluir indevidamente dados corretos nos sistemas informatizados ou nos bancos de dados da Administração Pública, com o fim de obter vantagem indevida para si ou para outrem ou para causar dano”, previsto no Código Penal, com pena entre 2 e 12 anos de reclusão. Além disso, o oficial teria transportado, até o estado de São Paulo, uma pistola Glock, onde a doou a outro major do Exército, um amigo, armamento ilícito “esquentado” no sistema governamental.

Por fim, o acusado teria recebido de um coronel aposentado um revolver taurus .38 e um rifle Rossi .38, que seriam destinados à doação para a Academia Militar das Agulhas Negras (AMAN). Os dois armamentos foram entregues a ele na sede da SFPC/11, mas o major, valendo-se do seu cargo, teria se apropriado das armas e vendido uma delas  por cerca de R$ 1 mil.

No julgamento de primeira instância, na 1ª Auditoria Militar de Brasília, o Conselho Especial de Justiça (CEJ), formado por uma juíza federal da Justiça Militar e mais quatro oficiais do Exército, com posto superior,  por unanimidade, decidiram considerar o réu culpado de duas da acusações: “peculato desvio” e “inserção de dados falsos em sistema informacional”.

Por falta de provas, o major foi absolvido dos crimes de porte ilícito de arma de fogo de uso restrito e por a guarda ilícita de munições. O oficial do Exército recebeu a pena de seis anos, nove meses e 18 dias de reclusão, a ser cumprida em regime, inicialmente, semiaberto.

Ao fundamentar a sentença, a juíza federal da Justiça Militar da União, Flávia Ximenes Aguiar de Sousa, afirmou que, mais uma vez, observou-se que o oficial, visando "legalizar" armas que se encontravam fora do sistema de controle de armamento, “literalmente "deu o seu jeito" se valendo do perfil de acesso amplo que possuía junto ao SIGMA, a fim de, primeiro, tornar existente as armas cedidas pelo oficial da reserva e, segundo, dar a destinação que atendesse aos seus próprios interesses, olvidando, por completo, os passos necessários para o processo de legitimação de armas, do qual era mais do que conhecedor, seja pela função que exercia seja pelos anos que já possuía como  CAC”.

Ainda de acordo com a magistrada, ficou provado que um dos oficiais ouvidos em juízo, um tenente, pagou ao réu o valor de R$ 1.000,00, por meio de depósito bancário, diretamente na conta corrente. Arma entregue em suas mãos e que deveria ter como destino a AMAN.

“Tal negociação veio à tona a partir da constatação de que o processo de registro e cadastro da arma não foi apresentado ao chefe do SFPC/11RM, além de não ter sido publicado o registro da arma no BAR nº 58, de 8 AGO 2016, do 11º D Sup, que havia sido lançado no SIGMA como o boletim de registro. O depósito foi plotado pelo relatório CPADSI 16/2018”, escreveu a juíza.

Da decisão de primeiro grau ainda cabe recurso ao Superior Tribunal Militar, em Brasília.

Por ter sido condenado com pena superior a dois anos de reclusão, o major poderá, também, perder o posto e a patente, em outro processo, chamado representação para declaração de indignidade ou de incompatibilidade para com o oficialato.