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04/12/2025

STM mantém condenação de capitão do Exército por maus-tratos a cachorro de rua

O Superior Tribunal Militar (STM) manteve, por unanimidade, a condenação de um Capitão do Exército pelo crime de maus-tratos a animal, previsto no art. 32 da Lei 9.605/1998.

A decisão foi tomada durante o julgamento da apelação movida pela defesa do militar, que havia sido sentenciado, em primeira instância, pela Auditoria da 7ª Circunscrição Judiciária Militar, em Recife (PE), a três meses de detenção, com sursis pelo prazo de dois anos.

O Art. 32 da Lei nº 9.605/98 criminaliza a prática de maus-tratos contra animais silvestres, domésticos ou domesticados, com pena de detenção de três meses a um ano e multa.

A criação do artigo 32 da Lei nº 9.605/1998 reflete um movimento legislativo voltado a coibir práticas de crueldade contra animais e a fortalecer a proteção ambiental prevista na Constituição Federal. Ao criminalizar maus-tratos, abusos e abandono, o legislador buscou responder a uma demanda social crescente por mecanismos eficazes de responsabilização, reconhecendo os animais como seres sensíveis e assegurando que comportamentos violentos não ficassem impunes.

O caso ocorreu em 5 de outubro de 2021, nas dependências do 7º Grupo de Artilharia de Campanha, em Olinda (PE). De acordo com a denúncia, dois cães de rua que circulavam pelo quartel teriam entrado na residência do oficial e matado um coelho de estimação.

Cinco dias depois, o militar saiu em busca dos animais, utilizando um machadinho e vestido com roupas de faxina. Ao localizar um dos cães — de pelagem branca com manchas pretas — amarrou-o com uma corda, conduziu até sua residência e, posteriormente, colocou o animal  no banco traseiro do automóvel, levando até uma rodovia no município de Igarassu (PE). O animal nunca mais foi visto.

Durante a tentativa de localizar o segundo cão, o oficial discutiu com soldados da guarda, chegando a utilizar expressões inadequadas em ambiente militar.

Após sindicância e oferecimento da denúncia pelo Ministério Público Militar, o capitão foi condenado, com o colegiado de primeiro grau reconhecendo a prática de maus-tratos e concedendo o direito de recorrer em liberdade.

Os argumentos da defesa

Na apelação ao STM, a defesa sustentou a inexistência de maus-tratos, alegando legítima defesa, estado de necessidade e falta de medidas administrativas por parte da Organização Militar. Argumentou ainda que a punição seria desproporcional diante das consequências já enfrentadas pelo réu.

Ao apreciar o caso, o  relator do processo, ministro Celso Luiz Nazareth, rejeitou integralmente as teses defensivas. Em seu voto, ressaltou que diversos militares que estavam de serviço no dia dos fatos prestaram depoimentos uníssonos, descrevendo que o capitão perseguiu, laçou e arrastou o cão até removê-lo da unidade.

Segundo o ministro, os relatos não deixaram “dúvidas razoáveis” sobre a materialidade e autoria do delito, além de evidenciarem que a conduta se enquadrou com precisão no tipo penal imputado. Ele destacou que o próprio acusado admitiu em juízo ter laçado o animal, retirado-o do quartel e soltado-o em local desconhecido, o que, por si só, caracteriza abandono — conduta igualmente prevista na legislação como maus-tratos.

O relator enfatizou que as testemunhas relataram a utilização de um “nó de enforca-gato” ou “nó de forca”, técnica capaz de causar estrangulamento e sofrimento intenso ao cão. Descreveram ainda que o animal demonstrava sinais evidentes de desconforto, sendo puxado contra a própria vontade.

Além disso, observou que o cachorro jamais retornou ao quartel e não há qualquer prova de que tenha sido realocado em segurança. Para o ministro, a ausência de evidências reforça a suspeita de que o animal tenha sido vítima de desfecho fatal.

Conduta movida pela raiva, não por necessidade

O ministro também refutou a alegação de legítima defesa ou estado de necessidade. Segundo ele, ainda que o coelho do oficial tenha sido morto, havia meios adequados e administrativos para o correto manejo dos cães — como o acionamento de órgãos municipais ou de procedimentos já adotados pela unidade militar em casos semelhantes.

Em sua análise, o relator destacou que a reação do acusado foi movida pela emoção e pela vingança: “O réu, abalado ao saber da morte de seu coelho, deixou-se levar pela raiva e adotou um comportamento impulsivo e agressivo, sem qualquer preocupação com o bem-estar do animal.”

O ministro também citou declarações de teor ofensivo dirigidas à guarda da unidade, o que, segundo ele, “revela um estado emocional alterado incompatível com a alegação de conduta moderada ou necessária”.

Ausência de qualquer excludente e responsabilidade penal

O relator frisou que não há no processo qualquer fundamento que justifique a conduta do apelante. A tese de que a administração teria responsabilidade sobre o caso foi rechaçada, com o ministro afirmando que não se pode admitir “uma espécie de responsabilidade penal objetiva pública”, na qual atos individuais e voluntários poderiam ser imputados ao Estado.

O ministro também lembrou que eventual responsabilização disciplinar não impede a responsabilização criminal, em razão da independência entre as instâncias. “ A conduta do oficial representou uma verdadeira caçada a um animal indefeso, dentro de uma organização militar e diante de subordinados, não havendo nos autos qualquer elemento que justificasse seu comportamento”.

Diante de todo o conjunto probatório, o STM concluiu que o capitão agiu com dolo, submetendo o animal a sofrimento desnecessário e violando frontalmente a legislação ambiental. Por unanimidade, os ministros mantiveram a sentença condenatória, reconhecendo a materialidade e autoria do crime, bem como a adequação da pena fixada em três meses de detenção, em regime inicial aberto, com concessão de sursis.

Apelação Criminal
Nº 7000069-64.2024.7.07.0007