O juízo da 9ª Auditoria Militar, primeira instância da Justiça Militar da União (JMU), sediada em Campo Grande, condenou um motorista de aplicativo pelo crime de desobediência a ordem legal de autoridade militar, previsto no artigo 301 do Código Penal Militar. O civil foi sentenciado a dois meses e 26 dias de detenção, em regime inicialmente aberto.
O caso ocorreu no dia 27 de novembro de 2024, por volta das 19h, quando o réu adentrou, de forma dolosa, nas dependências do Quartel-General da 13ª Brigada de Infantaria Motorizada, em Cuiabá (MT), com um veículo Hyundai HB20. Ele havia sido chamado para transportar dois passageiros até um evento da Associação dos Diplomados da Escola Superior de Guerra (ADESG), realizado no auditório da base administrativa da unidade militar.
Conforme a denúncia do Ministério Público Militar (MPM), ao se aproximar do portão principal, o motorista não respeitou os protocolos de segurança e ignorou a equipe de balizamento. Em vez de parar para identificação, executou uma manobra de ré e avançou abruptamente sobre a área restrita do quartel, apesar dos alertas de um dos próprios passageiros.
Após deixar o casal no pátio de formatura, o condutor novamente desobedeceu a uma ordem expressa de parada, desta vez dada por um subtenente que gesticulava para que o veículo aguardasse. Ao tentar sair do quartel, o portão de saída foi fechado pela equipe de guarda, mas o motorista não reduziu a velocidade e acabou colidindo contra a estrutura, que havia sido fechada momentos antes por um soldado. Com o impacto, o militar foi arremessado ao solo. Imagens do circuito interno de segurança, anexadas aos autos, registraram toda a ação.
Diante da situação, o soldado reagiu e disparou com um fuzil contra o veículo, que já deixava a unidade em alta velocidade. O motorista, entretanto, não foi atingido e fugiu pela avenida Historiador Rubens de Mendonça, também conhecida como Avenida do CPA, é uma importante via em Cuiabá.
Versões e julgamento
O Inquérito Penal Militar foi instaurado e após sua finalização, o Ministério Público Militar denunciou o motorista junto à Justiça Militar da União pelo crime de desobediência a ordem legal de autoridade militar.
Em juízo, o motorista alegou não ter percebido qualquer sinalização obrigando parada no portão e afirmou que apenas entrou no local a pedido dos passageiros. Relatou ainda que o portão teria sido fechado de forma inesperada, e que decidiu seguir viagem por estar atrasado para uma nova corrida pelo aplicativo. Negou, também, ter visualizado gestos de militares indicando para que parasse.
A Defensoria Pública da União, responsável por sua defesa, sustentou que não houve dolo, mas um erro de percepção. Argumentou ainda que a conduta deveria ser considerada atípica, com base no princípio da insignificância, por não ter havido intenção deliberada de desobedecer e por considerar desproporcional a reação militar, especialmente o disparo de fuzil.
Por outro lado, o Ministério Público Militar sustentou que as provas reunidas — testemunhos e imagens das câmeras de segurança — demonstraram de forma cabal que o motorista ignorou ordens claras e reiteradas de parada, tanto na entrada quanto na saída do quartel. A acusação destacou que a atitude causou tumulto, colocou em risco a segurança da unidade militar e resultou em lesões corporais ao soldado Barbosa, que atuava no serviço de guarda. Para o MP, a pressa do réu em atender outra corrida indicava dolo direto e agravava a gravidade da conduta, incompatível com qualquer alegação de irrelevância penal.
Provas e sentença
Durante a instrução processual, foram ouvidas testemunhas de acusação e defesa, incluindo o subtenente responsável pela segurança e o soldado ferido. Ambos confirmaram o comportamento imprudente do réu. As imagens do sistema de segurança do quartel corroboraram integralmente os relatos.
Laudo pericial constatou que o soldado sofreu edema traumático no antebraço esquerdo e escoriações no antebraço direito, causadas pelo impacto do portão que foi atingido pelo automóvel.
Na sentença, o juiz federal da Justiça Militar, Luciano Coca Gonçalves, considerou provadas a materialidade e a autoria do crime. Rejeitou as teses defensivas de erro de percepção e de ausência de dolo. Para o magistrado, a alegação de que o portão teria sido lançado contra o veículo é inverossímil, já que o impacto decorreu exclusivamente da desobediência à ordem de parada.
Segundo o juiz, sendo motorista profissional, o réu deveria adotar conduta ainda mais cautelosa, especialmente ao ingressar em área militar sob vigilância armada. A tese de erro de fato também foi afastada, considerada incompatível com a experiência exigida na profissão. Para o magistrado, a conduta do motorista "só não resultou em tragédia por mero acaso".
O juiz também defendeu que a reação dos militares, incluindo o disparo, decorreu do comportamento reiteradamente desobediente e imprevisível do acusado.
A pena foi fixada acima do mínimo legal em razão de três circunstâncias judiciais desfavoráveis: intensidade do dolo (decorrente da pressa deliberada para atender outra corrida), maior perigo e extensão do dano (lesões ao militar e risco à segurança do quartel) e o meio de execução (uso de veículo contra barreira militar). Da decisão ainda cabe recurso junto ao Superior Tribunal Militar, em Brasília.
APM nº 7000148-80.2024.7.09.0009.